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quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

ANÁLISE: UFC 139 - Henderson VS Shogun


Um UFC a flor da pele, tenso, comovente e relevante assina o começo da trilogia de mega eventos que fecham o excelente ano de 2011 para o MMA. Mesmo com Jones VS Lyoto e Lesnar VS Overeem com colisões marcadas para breve, é difícil imaginar que o ponto alto desse fim de temporada não seja o clássico instantâneo entre Shogun e Henderson. Poucas vezes violência e técnica, arte e força, lágrimas e sangue se mesclaram numa pintura tão valiosa. Uma luta para todas as gerações entre dois lutadores intermináveis. O UFC 139 ainda marcou mais uma etapa da dolorida peregrinação de Wanderlei Silva rumo a lugar nenhum e mais um carimbo no ticket de cliente VIP de disputas de cinturão para Urijah Faber. Um evento incandescente, importante, quase que um pedido de desculpas do destino pelo deprimente UFC 138.

Dan Henderson VS Maurício Shogun

Desafiando a ciência e o bom senso, Henderson vem ficando melhor com o tempo. Tão melhor que parece mais novo. A fonte da juventude é ambição. Uma motivação, um sonho, nos mantém vivos, joviais. Muito desse envelhecer vem primeiro da nossa mente, do desinteresse pelas coisas e por si próprio. Ao ser cortado do UFC após 3 vitórias seguidas, lutar desmotivado por achar que seria fácil demais e perder de modo melancólico para Shields no Strikeforce, e ouvir Dana White declarar para todos os microfones, de CNN até ESPN, que Dan estava acabado e sua carreira não tinha muito mais futuro, algo mudou. Ou melhor, voltou ao normal. Às vezes a melhor transformação é nos reencontrarmos, perceber que o caminho estava certo e dar um passo lateral para tudo ser como antes. Hendo se viu no dilema cotidiano de sacolejar a poeira e provar que é alguma coisa, ou manter um comportamento medíocre e resmungar porque os outros não o acham mais especial. Como um campeão, um atleta que venceu por todos os lugares por onde passou, de wrestling a MMA, resolveu voltar atrás e ser ele mesmo mais uma vez. Um último suspiro, um fim de carreira digno e não melancólico e risível como parece estar virando moda entre veteranos. Nocauteou Babalu, Feijão, Fedor e serviu de presente de Natal para Shogun um dos maiores espancamentos de sua vida.

Dan venceu 7 das últimas 8 lutas que fez. É, de fato, um dos maiores do mundo na atualidade. Nunca deixou de ser. Uma pessoa direta e objetiva que consegue carregar para o octagon essa essência. Muito de ter melhorado com o tempo, apesar do corpo biologicamente, irrefutavelmente, dar sinais de cansaço, é nunca mentir para si mesmo, sobre suas habilidades e qualidades de seus adversários. Prática muito comum entre atletas brasileiros. Hendo não diz ser mais do que é nem contrata uma equipe de amigos para lhe convencerem disso. Sabe que o preço das escolhas que fazemos é cobrada pela vida, e do mau treinamento, apadrinhamento e preguiça, é cobrado em sangue e vergonhas dentro das oito grades. Entendeu seu estilo, suas qualidades e limitações. Limpou o armário, fez uma faxina no seu planejamento de treinamento, reduziu o discurso, esvaziou o espírito, aumentou as possibilidades e se pôs a lapidar sua melhor arma, ano após ano, ao invés de tentar melhorar um pouco tantas outras milhões de coisas que envolvem esse esporte. Se trancou na masmorra da consciência, da realidade. Se enfurnou nos calabouços sinistros da mente de um campeão incansável, amuado, desafiado. Segurou seu machete e o afiou, no escuro, em silêncio, sozinho. Só ele e o som e o cheiro do aço quente sendo limado, aperfeiçoado. Uma navalha que não parece nada demais, mas se pegar no ângulo certo, se descer de jeito, fatia uma montanha ao meio. Dan transformou o que era um mata cobra poderosíssimo no começo de sua carreira, no cruzadinho mais letal, preciso e devastador desde que Royce se sagrou campeão do UFC 1.

O cruzado de Dan Handerson parece o Jason, lento, mas sempre chega, e quando chega todos sabem o que vai acontecer. Contra esse batido golpe, aplicado em boxe faz mais de 1000 anos, são várias as defesas, contra ataques, distâncias e técnicas que, facilmente manteriam qualquer atleta protegido e em condições de vencê-lo. Mas mentalmente não há escapatória. Seu golpe nocauteia o espírito do adversário antes, o medo de ser atingido por um golpe que já atingiu milhões, de ser a próxima vítima, de ser mais um a cair, paralisa os nervos, dificulta a passagem dos impulsos, as pernas ficam brevemente mais lentas, a guarda levemente mais reticente, o olhar que deveria estar sempre fixo pisca por um micro segundo antecipando a desgraça e pronto. Mais um tombou frente a um dos maiores de toda a existência. E foi exatamente isso que aconteceu com Shogun. Bang! Caiu como todos, mas provou ser feito do mesmo material fantástico de seu adversário, ao levantar e seguir em frente. Trampando na porrada, levando mais do que dando, mais sangrado do que sangrando. Dois machos alfa colidindo, se dilapidando e deixando pedaços de diamante pelo chão. Alguém iria acabar caindo, não era possível, mas os dois terminaram de pé. Quebrados, desidratados, amarrotados, cheios de rachaduras e hematomas. Numa fagulha do incrível que é esse esporte, se olharmos bem de perto, no grão, leremos que Dan venceu. Mas com o tempo, um grão incrível se mistura a outro e mais outro e só o que veremos é uma praia de areia quente e confortável que só existe na mossa mente. Para onde iremos constantemente até o fim de nossas vidas, cheia de memórias e momentos épicos desse esporte. Vencedores e vencidos se misturam na paixão surpreendente que temos por esse MMA.

Aceitar que um saiu vencedor é importante para prosseguimento de carreira, cartel, casamento de lutas e etc. Faz parte da parte mecânica de qualquer esporte. Mas olhar para o outro como derrotado é colocar antolhos, cela e arreios quando são opcionais. É pedir para ser montado e domesticado pela mídia sem qualidade, fãs sem emoção. Uma das melhores lutas de todos os tempos precisa de dois para acontecer. O mérito é dividido exatamente por igual.

Shogun entrou como sempre. Mentalmente preparado para encarar um exército e fisicamente rezando para a luta acabar antes do primeiro round. A falta de condicionamento do brasileiro é histórica, por mais que muito creditem isso a sua ida para o UFC, operações e erros nas estratégias de treinamento. Até em seu auge, quando se sagrou campeão do GP do Pride, saiu arrastado do ringue de tão cansado ao vencer com socos na montada Overeem depois de apenas 6 minutos de luta. Na maioria das vezes acaba ofegante mesmo em combates rápidos. Seu auge físico foi no primeiro confronto contra Lyoto, mas não teve atrito no chão, o que costuma drenar ainda mais rápido seu gás. Shogun tem um coração tão grande que ocupa o espaço dos tanques de gasolina. E foi esse seu eterno problema de condicionamento que o impediu de definir a luta no quinto round. Bater cansa mais do que apanhar, e Hendo acabou o segundo round mais cansado e Shogun mais machucado. Quando o brasileiro começou a virar o combate, esgrimir, se mover melhor e derrubar, sua resistência aeróbica cessou de vez. Seus diminutos pulmões secaram e colaram um no outro. Ao fim do quinto round não tinha nem mais forças para desferir socos com moderado impacto. E ficou por cima, quase cinco minutos, e não conseguiu canalizar energia em nenhum golpe se quer. Isso é falta de condicionamento.

Dan ter sido um wrestler tão condecorado e talentoso quase induz todos os adversários a um erro de estratégia, e não foi diferente dessa vez. A realidade é que Dan nem treina mais wrestling com freqüência, de acordo com o próprio, para poupar seu corpo, músculos das costas e joelho. Derrubá-lo é relativamente simples atualmente. Shogun, Feijão, Shields e praticamente todos que tentaram nas últimas lutas conseguiram. A questão é que poucos tentam. Acham que a única maneira é ficar em pé, parar em sua frente, e o resto da história todos sabemos. Shogun poderia ter usados chutes longos na perna mantendo a guarda alta. Víamos muito isso no K1. Cruzados de encontro como defesa, jabs para forçá-lo a abrir a guarda e etc. Mas é tão mais fácil para eu dizer isso do que ele ir lá e fazer. Não deve ser tão simples quanto acho ser e, com certeza, não aceitaria uma luta contra Henderson para provar meu ponto de vista.

Shogun estava com excesso de gordura. Roliço. Estar com a barriga pra dentro é sinal de boa forma em boates, de camisa, em esporte de alto rendimento a análise é feita por percentual de gordura (body fat). E o dele é alto demais para os padrões atuais. Deveria descer para o peso médio, onde seria um animal incontrolável. No meio pesado, no MMA atual, vai sempre estar um passo atrás em velocidade e força.
Shogun tem um carisma enorme. Por isso é tão difícil nos conformarmos com suas derrotas. Fãs esperaram literalmente anos pela sua revanche contra Coleman, clamaram por uma revanche imediata contra Lyoto, acharam justa uma nova luta contra Forrest, mesmo depois de ser obliterado por Jon Jones achavam de deveria ter outra chance e muitos afirmam o mesmo agora. Sua carreira é quase uma jornada kármica de resgate e elevação espiritual. Dan venceu o round 2 e 3. Shogun o 4. A questão da dúvida sobre a pontuação são o primeiro e último. Muitos afirmam ser justo um 10 a 8 para o brasileiro no último por dominar todo o round, mesmo não causando muito dano. Concordo. Mas a mesma lógica é ainda potencializada quando no primeiro ele foi espancado e o juiz esteve para interromper a luta duas vezes. Se dominar sem contundência o daria 10 a 8, ser dominado por espancamento e com muita contundência dá 10 a 8 para o adversário. Dan venceu a luta.

Dan e Shogun se chocaram com toda a violência e coragem que caracterizou suas carreiras, por isso são eternos. São exemplos de tantas coisas diferentes, cada um a seu jeito. Sempre acho interessante quando dois lutadores que respeito tanto se enfrentam, moralmente merecendo sair vencedores. Sem média, sem frescura, sem patriotismo, eu gostaria de apertar a mão dos dois e parabenizar por uma das lutas do século, levando em conta qualquer esporte. Dan deve pegar o vencedor de Jones VS Lyoto, ou talvez não. Depende de como ocorrer Rashad VS Davis e da recuperação da cirurgia a que Bones irá se submeter. E Shogun deve pegar o perdedor de Rashad e Davis ou o vencedor de Ortiz e Minotouro, em mais uma revanche. Independente dos adversários, os dois são sempre garantia de espetáculo, e é disso que esse esporte é feito, por isso esse esporte é magnífico e revigorante.

Wanderlei Silva VS Cung Lee

Acho que o maior presente que posso oferecer a pessoas que gosto é a sinceridade. Errado ou certo, dizer o que realmente sinto, expor meu sentimento, é o máximo que posso fazer como prova de respeito. Mil vezes uma verdade dolorida do que uma bajulação que corrompe. E é assim que me pego olhando para a carreira de Wanderlei. Um dos maiores, merece todo o respeito e até um certo carinho pelo que fez. Noites e madrugadas de alegria e emoção como poucos atletas vão vir a fazer. Lutas cheias de sentimento e adrenalina e veias hipervascularizadas, e raiva, e alegria, e violência e vitória e depois, paz. Foi como nenhum jamais vai ser, único, emblemático, importante. Um daqueles que arrastou o esporte pelas correntes quando ninguém queria realmente ver, e muitos queriam que deixasse de existir. Wanderlei fez mais do que imagina, daqui a 50 anos vai ser mais fácil perceber. Mas hoje em dia, não faz mais nada. Está numa constante peregrinação para lugar nenhum. Não tem como vencer grandes lutadores para disputar o cinturão, mesmo que vencesse não gostaria de enfrentar seu amigo Anderson Silva e não tem interesse em luta com adversários desconhecidos. Vem apanhando muito mais do que batendo e quase à toa. 6 derrotas nas últimas 9 lutas, 4 por nocaute. Apenas 3 vitórias em quase 6 anos. Um cartel recente ridículo até para padrões de atletas de baixo nível. O cachorro loco continua querendo morder carnes que o maxilar não consegue mais dilacerar. Confunde a paixão dos fãs pelo que foi com a vontade de continuar sendo. Quer dar alegrias, continuar no combate. Mesmo com filho e família, ainda entra para a porrada mesmo, sem medo de se ferir ou coisa pior. Isso é comovente. Cada luta sua é um último suspiro, tão difícil, os pulmões afogados, a correnteza tão violenta, qualquer vitória é uma catarse. Venceu Cung Lee. Não fez nada demais, não muda nada na história do esporte nem do UFC atual, mas foi muito emocionante.

Cung Lee poderia ter sido um lutador fantástico tivesse começado a carreira 25 anos antes como lutador profissional ao invés de artista de cinema. Hoje em dia, gordinho, velho para o esporte, com família, sem ritmo ou implementação de tecnologias modernas no treinamento e com a ambição de ser campeão de um senhor na corrida do ovo na gincana da escola da neta, não impôs muita resistência. Tem uma movimentação excêntrica, sui generis, o mais próximo do ballet que MMA pode chegar e ainda ser contundente. Um dos lutadores mais intrigantes de vermos lutando, mas não deveria ser capaz de impor desafio real a um atleta de alto nível. Mas impôs. Até porque Wand não luta mais em alto nível.

Essa era a luta pela qual eu estava mais ansioso. Um casamento instigante entre técnica e agressividade. Quem não acompanhou a breve carreira de Cung Lee não curtiu a expectativa desse confronto, e talvez nem tenha entendido bem como pode ser tão competitivo e impor tantas dificuldades técnicas para o adversário. Cung Lee 20 atrás VS Wand do Pride seria uma das lutas do milênio. Mas nessa dimensão luta assim nunca ocorreu e o que tivemos foi habilidade tentando superar despreparo e idade, contra violência e paixão tentando superar a queda técnica e física. Um canto do cisne, uma luta bonita de ver, um bailado violento e letal, onde venceu o lutador de verdade. O livro pesou sobre uma página.

Wanderlei vibrou, chorou e mereceu. Não sou amargo nem canalha para querer tirar o mérito dessa sua glória. Se a vida é feita de pequenos momentos, se ser feliz é um aglomerado de milhares de alegrias, que pode ir de um beijo na namorada até um abraço no pai, o que diria de uma vitória no UFC? Que ele curta e vibre de coração cheio. Que os fãs o tratem com a emoção e cuidado que ele fez por merecer de tanto destruir os outros e a ele próprio pelo nosso prazer. Mas sua carreira está no final. Está a uma derrota contundente de ser cortado por Dana White, ele sabe, nós sabemos. E do jeito que ele está, sem queixo, menos resistente, com menos punch, para essa derrota não vir terá que fazer luta contra atletas medíocres e seu espírito guerreiro não vai aceitar. Pedirá por grandes combates. Revanche contra Belfort, Leben e etc. Lutas que dificilmente terão resultado diferente da primeira. Não imagino Wanderlei agüentando se aposentar vencendo. Enquanto estiver tendo a mão levantada, vai continuar. Nada vai pará-lo. Será até o fim como sempre foi desde o começo. Por isso antevejo o ponto final de sua carreira ao som seco de um direto no queixo e aplausos para o outro. Foi assim com tantos, deverá ser assim com ele. Parece ser o único caminho que os maiores encontram para parar. Os maiores deixarão o octagon ou ringue pela última vez tristes, sempre tristes. Porque uma gotinha sequer de alegria que seja vai fazê-los querer voltar, como um pingo de sangue revive o vampiro.

Cung Lee contra Leben e Wanderlei contra Maia são duas lutas que eu amaria ver antes do fim.

Urijah Faber VS Brian Bowles

Faber é um lutador incrível. Excelente em todas as áreas, veloz, carismático, bem humorado, raçudo, agressivo dentro do octagon, educado com fãs e mídia fora, com boa aparência e cabelos dourados para fazer comercial de shampoo traduzido em 5 línguas. É o pacote completo. De capa de revistas de boa forma, leilões beneficentes até main events. Faber faz de tudo, até ajudar jovens carentes com uma instituição de caridade ligada a sua equipe Alpha Male. Como não gostar do cara? Ou se isso não for suficiente para admira-lo, por que torcer contra? Não há real motivo para querermos atrapalhar seu caminho natural que parece ser positivo para todos os envolvidos. E para os fãs de MMA Faber faz exatamente o que um grande atleta deve fazer. Sempre boas lutas com entrega total e voracidade. A única coisa incômoda a respeito de sua pessoa é como, luta sim, luta não, disputa algum cinturão. Como se ele, por ser tudo isso acima e ainda muito mais, não pudesse, jamais, não ser o campeão absoluto de algum peso. Depois de perder o cinturão do WEC para Brown, 8 lutas antes dessa, já disputou o cinturão 3 vezes. Levando em conta que na primeira luta contra Mike Brown ele era o atual campeão, foram 4 lutas por título nas últimas 8. Se esse texto fosse uma conversa informal por MSN teria escrito agora um: “rsrsrsr” ou um “kkkkk”. Faber tem carteirinha VIP de desafiante ao título e isso me chateia como fã, imagine o que não pensam os outros atletas do peso. Não gosto de opinião tendenciosa, patriotismo ou apadrinhamento. São vírus que destroem a competição honesta e escalonamento de combates. Por conta disso o excelente Renan Barão, e outros, vão ficar sentados na calçada esperando a festa do granfino acabar.

Brian Bowles é excelente. Um dos 5 melhores atletas do peso e um desafiante digno ao reinado de Cruz, tivesse passado por Faber, proeza das mais difíceis e um pouco acima de suas estelares habilidades. Faber foi mais violento, maior, manipulou Bowles sem vergonha nenhuma e acabou fácil com um atleta que é adversário dificílimo para quase todo mundo. Brian deve pegar Barão ou Demetrious em combates que já tem o bicho de luta da noite praticamente garantido. E Faber, se perder para Cruz, estará mais uma vez a uma vitória de distância de disputar algum cinturão mais uma vez. Seja numa revanche contra Aldo, que estando tão lento tem chances de ser vencido pelo California Kid, coisa que parecia impossível ao final da primeira luta, ou até descer para disputar o título do ainda nem introduzido no UFC peso mosca. Se depender disso para Urijah ter algum cinturão, não se preocupem, em 2012 teremos uma nova categoria no UFC.

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