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quarta-feira, 21 de julho de 2010

CRÔNICA 5 - S.O.S. Minotauro


Quando precisamos da ajuda de um amigo um simples enrugar de testa pode ser o suficiente para ativar uma espécie de help mode, aonde tentam nos acarinhar, ouvir com mais cuidado e buscar soluções reais. Já um SOS, popularmente conhecidos por aparecerem desenhados na areia das ilhas em filmes de aventura, significa um pedido de socorro quando se acha que não há ajuda por vir. É uma tentativa desesperada de encontrar nos céus, no mar, um modo de escapar daquela situação. É um momento desprovido de amigos ou com amigos que nada podem fazer. É um momento de peeling teológico, de desconstrução de conceitos de esperança e fidelidade, aonde todo o foco volta para a única coisa que pode, talvez, manter o indivíduo vivo. Dizem que de cada 10 previamente ateus resgatados de naufrágio, 7 voltam acreditando em Deus ou alguma força para além do espaço sideral. É o desespero urgindo por mudanças. É na versão astral dessa ilha que Minotauro se encontra.

Antonio Rodrigo Minotauro Nogueira é uma lenda viva. É ídolo de crianças e idosos mesmo praticante de um esporte tão violento. Vai ser daqui a 20 anos lembrado como um dos maiores de todos os tempos, respeitado como um precursor, um visionário. Isso é fato. Mas é melancólico presenciar sua decadência luta a luta.

Minotauro é lendário pela sua capacidade de absorver dano como um zumbi, um jiu-jítsu aplicado ao MMA inigualável, coração de leão e, principalmente, a capacidade e inteligência para mudar o eixo da luta a seu bel-prazer. Se estava ruim em pé, ia para o chão e vice versa. Era um atleta de qualidades mitológicas, quase inalcançável, diferente do que vemos hoje. Um boxer de baixa qualidade trocando socos com qualquer adversário. É intrigante filosofar sobre o que pode ter acontecido. Parece que sua estratégia de luta é traçada pelo inimigo. Ele era chamado com carinho de “Rocky Balboa brasileiro”, numa alusão a sua capacidade de ganhar lutas impossíveis, mas me parece que ele próprio e treinadores ficaram meio confusos com esse apelido do apelido, achando que é chamado assim por boxear sem medo de apanhar.

Antônio é um cara simples. Ganhou dinheiro, se rodeou de colegas e quer ser amado pelas pessoas. Não dá para não torcer pelo seu sucesso. Mas num esporte em constante evolução, abrir mão de verdades doloridas e edificantes por bajulações corruptíveis pode acabar em nocaute.

O seu modo de lutar começou se transformar depois da segunda derrota para Emelianenko Fedor, aonde foi vencido em pé. Ele se lançou a aprimorar técnicas de boxe e tentar bater nos adversários mais do que finalizá-los. Na verdade, a finalização se tornou muito mais uma conseqüência do que um objetivo e isso mudou sua carreira para sempre. Tomo como exemplo a fatia de tempo atual, onde se encontra no UFC. 5 lutas, 2 derrotas. Venceu, mas quase foi nocauteado pelo Heath Herring ( lutador que ele já tinha derrotado facilmente antes) e Tim Sylvia ( um striker que não tinha nada a oferecer fora lançar diretos em seu rosto e dar graças a Deus por cada segundo que Minotauro continuava aceitando, desnecessariamente, a trocação). Com Randy Couture co-estrelou uma luta épica entre dois gigantes que já abriram mão do que os fazia especial em troca de lançar os punhos um na cara do outro. Na maior parte do tempo parecia uma briga entre sogro e cunhado no churrasco de fim de ano. Foi nocauteado por Frank Mir e Cain Velasquez.

Minotauro tem um Boxe apenas razoável, não pendula, não esquiva, não tem body shots, upercuts ou movimento na ponta dos pés, fica estático lançando os braços em linha como um lango lango. Enquanto seus treinadores, amigos e fãs continuarem o influenciando a lutar em pé, ele o fará, como um mártir.

Ver o Minotauro chorando uma derrota aonde ele não lutou absolutamente patachongas do que sabe é de quase fissurar meu coração de granito. É como ver uma baleia branca sendo estripada, é presenciar a morte lenta de uma raça em extinção. Para cada Minotauro tem 1000 Jardines, Rogers, Ciganos. Nada contra strikers, mas se fossem tão especiais assim o boxe não teria quase falido.

Apesar de sua cara abalroada nos levar a crer que poderia participar do programa feminino “10 anos mais jovem”, ele ainda é novo e genial. Seu jeito calado vai impedir de pedir ajuda, mas seu olhar vidrado junto à lona do UFC 110 é um aflito sinal de SOS para quem consegue ver. Minotauro tem que mudar para voltar a ser ele mesmo, tranquilo de que nós nunca vamos mudar. Sempre estaremos lá, juntos, mesmo à distância, esperando ávidamente por precenciar essa metamorfose às avessas. Esse retorno do glorioso mito à Creta.

TWITTER: @nicoanfarri

segunda-feira, 12 de julho de 2010

ANÁLISE - DREAM 15: Aoki VS Kawajiri


É fato que a maioria dos grandes lutadores da atualidade tem contrato com o UFC, mas também é verdade que vários grandes atletas ainda não têm. Nesse fim de semana vimos quatro dos maiores nomes do MMA em ação, lá do outro lado do mundo para quem mora na América.

Existia um Shinya Aoki que vimos em suas primeiras 22 lutas e outro que vimos contra Gilbert Melendez pelo cinturão Strikeforce. Um era o lutador com as finalizações mais agressivas e criativas do MMA. Um atleta que fazia de chaves e torções violência contra o corpo do adversário como outros só faziam com socos e chutes. O outro, contra Melendez, era lento, acuado, reticente e não tentou um só ataque em 25 minutos. Teria sido essa luta um marco na mudança de rumo em sua carreira ou um lapso? A vitória fácil sobre o incrível Tatsuya Kawajiri mostra que é a segunda opção. Kawajiri, com vitórias sobre Gesias, Buscapé, Azeredo, Hansen e Shaolin, é um dos mais dinâmicos e fortes atletas até 70. Solidificado no top 10 da categoria há anos, não foi páreo para suas finalizações sanguinárias. Kawajiri é famoso pela sua resistência física e relutância em bater em chaves e Aoki percebeu isso rapidamente. Uma torção ou um ligamento rompido não iriam pará-lo, então serviu um banquete de finalizações com o prato principal que já vimos algumas vezes, ossos quebrados. Kawajiri bateu ao perceber seus ossos do tornozelo estilhaçando e Aoki, mais uma vez reinou supremo. Uma revanche contra o campeão do Strikeforce, no Japão, seria um sonho de luta. Mas, Melendez, que ao final de sua vitória sobre Aoki, declarou que lhe daria a revanche quando quisesse, se pronunciou nesse semana afirmando que não pretende mais enfrentar o campeão do Dream tão cedo. Por que será?

Gesias Cavalcante parece ainda não ter se recuperado mentalmente da derrota para Shinya Aoki em 2008. O japonês interrompeu uma seqüência de 14 lutas sem perder do brasileiro com uma vitória unânime que o deixou sem rumo. Menos pela derrota em si e mais por ter sido vencido em seu próprio jogo, no jiu-jítsu. Depois disso teve mais um insucesso em 2009 e veio para 2010 tentando re-engatilhar sua carreira. Infelizmente, para seus fãs, o máximo que conseguiu foi uma vitória por decisão dividida sobre o apenas competente Katsunori Kikuno. Se JZ quer recapturar seu merecido lugar entre o top 10 da categoria leve tem que voltar a lutar com freqüência, e, principalmente, melhor. Bem melhor.

Gegard Mousasi tinha uma missão. Vencer a luta de modo a apagar a má impressão de sua derrota apagada para Mo Lawall pelo cinturão do meio pesado do Strikeforce. Considerado por muitos como um dos três melhores lutadores do peso, uma vitória sobre o fraco Jake O'Brien era obrigação. Como um biscoitinho que não mata a fome mas ajuda a esperarmos até a hora do jantar. Finalizou na marca dos 30 segundos e agora espera, torço para isso, por desafios a altura. Também torço para que ele mostre mais do talento que o fez tão aclamado contra o próximo adversário que lhe imponha alguma resistência.

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quinta-feira, 8 de julho de 2010

CRÔNICA 4 - Lágrima Siamesa


Depressão tende a ser precedida de euforia. Uma alegria espasmódica e aflita, descabida, que acaba como começa, encaixando perfeitamente num sentimento igualmente exagerado, proporcionalmente inverso. Um dando passagem ao outro. É comum essa sensação quando nosso time está numa final de campeonato ou nosso lutador favorito está no octagon. O improvável são esses dois sentimentos nos tomarem o âmago ao mesmo tempo, num desafio as leis da física, química, ou seja lá o que for, estraçalhando conceitos emotivos, os dois ao mesmo tempo, na mesma hora, num yin-yang terrível e apaixonante. Se futebol é uma caixinha de surpresas, MMA é a caixa de Pandora, e ela foi aberta no último Strikeforce.

Como bom humanista, nem feminista nem machista, admiro a conquista justa. A vitória pela superação, pelo talento, sem erros de juiz, sem acasos. E a vitória de Cris Cyborg me comoveu. Não por ser ela mulher e sua vitória mostrar que as mulheres podem fazer as mesmas coisas que os homens ou esses atestados sexistas que sublinham mais as diferenças do que decantam. Foi comovente por ser visceral, pela violência de uma campeã que, mesmo superando facilmente sua adversária, suou e sangrou e tencionou os músculos até o fim da luta. Sem dança, sem firula, num respeito brutal que só um esporte de combate permite. Em MMA, respeito é soco na cara, é esforço, é o choque, é colocar em cada movimento os ligamentos em risco, os ossos para serem fissurados. E isso vindo de uma campeã, que poderia cadenciar a luta, poderia amaciar o impacto ou poupar o corpo, é lindo de ver. O beijo em seu marido, seguido de um “eu te amo” visivelmente sincero, com a adversária estirada na lona, ao seu lado, descabelada, destruída, ensangüentada, é um manifesto pela magia violenta e poética desse esporte. Um momento Quentin Tarantino que só MMA proporciona. Nesse segundo, metade de uma lágrima umedeceu meu globo ocular.

Como realista, não consigo forçar beleza aonde não vejo. Não procuro pote de ouro no fim do arco-íris. Mas como toda rocha que precisa de certa dose de umidade, busco, ávido, momentos fantásticos, histórias verdadeiras aonde o impossível acontece diante de nossos olhos. Testemunhar o aparecimento de lendas e sua performance, como se pudéssemos contemplar o titã Cronos caminhando com um castelo inteiro cravado em suas costas, clamando por vingança contra Zeus. Porém é vazio presenciar o contrário. Presenciar o fim da carreira de um astro, de alguém que subverteu as regras da normalidade e pingou gotas de esperança nessa existência. Deve ter sentido oco o coração quem presenciou o fim da carreira de Garrincha, Maradona, Jordan, Hendrix. Porque, com certeza, o meu ficou ao presenciar a primeira derrota de Fedor Emelianenko.

Desprezo os urubus de carniça que torcem para o melhor perder, para o monumento ruir, para ver o circo de Soleil pegar fogo. São pequenos os que pensam assim, já que esse mesmo ídolo sobre as quais entranhas vão se debruçar, foi o que os fizeram gostar do esporte. Como um parasita que mata o hospedeiro. Mas fora para essa minoria, sua derrota deixou um vácuo.

São vários os grandes atletas, Anderson, St.Pierre, Shogun, Brock, mas ele era o atleta dos atletas. Era o topo da cadeia. Era o que todos queriam vencer. Batman não seria nada sem o Coringa. Foi ele que, quase sozinho, quando MMA enfrentou seu momento mais difícil, quando o PRIDE já andava mal financeiramente por dívidas com a Yakuza e o UFC tinha como maior estrela o insosso Tito Ortiz, realizava lutas antológicas no Japão que até hoje são usadas como exemplo quando queremos mostrar para alguém momentos incríveis no esporte.

Todas as formas de competição precisam de sobre-humanos. Aqueles que vão muito além do que parece cientificamente possível. É da lenda que contamos para nossos filhos, é da lenda que lembramos e é pela lenda que devemos respeito. Mas ele foi suplantado pelo triângulo mortal do brasileiro Fabrício Werdum. A flecha acertou Aquiles.
O maior não cai, ele tomba. E toda a terra do MMA tremeu. A outra metade da lágrima se formou, uma gota seca, única e ainda assim siamesa escorreu, leve de um lado e pesada do outro, feliz e triste, esquizofrênica e incontrolável, como só o maior esporte do planeta poderia cunhar.

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sábado, 3 de julho de 2010

ANÁLISE - UFC 116: Lesnar VS Carwin


Num esporte de combate, vitórias são um passo a frente e derrotas são dois para trás, e nesse UFC 116 alguns atletas pularam algumas casas em vitórias, se não todas espetaculares, muito significativas em termos de ranqueamento.

George Sotiropoulos, fora um momento de desatenção que lhe custou um joelho no queixo e quase a vitória já consolidada, dominou no chão e em pé o excelente grappler Kurt Pellegrino. Supremacia no solo sobre um dos melhores praticantes de jiu-jitsu no peso e uma prévia passagem de carro sobre o ex contender Joe Stevenson, o colocaram no mapa como um merecedor desafiante do cinturão até 70. Numa categoria estagnada, com os mesmos atletas se revezando no meio da tabela, é refrescante o aparecimento de um contender tão completo e competitivo. Sotiropoulos saiu de "quem é ele?" para "agora ele vai pegar quem?"

Chris Leben estava a uma derrota de ser cortado do UFC no TUF Finale 11, apenas duas semanas atrás. Vinha de duas derrotas seguidas em exebições pouco inspiradas e um afastamento por uso de anabolizantes. Foi jogado como boi de piranha para o invicto Aaron Simpson, que ele acabou nocauteando. Dias depois, com Wanderlei Silva impossibilitado de lutar, foi atirado contra o superstar da conexão Koreia/Japão Yoshihiro Akiyama. Era uma segunda chance de cortá-lo e, de quebra, ajudar na consolidação do MMA no continente asiático. Só que Leben, numa prova de que se futebol é uma caixinha de supresas, MMA é a caixa de pandora, finalizou o japonês. Atrasou a escalada ao mundo nipônico, carimbou a primeira derrota de Akiyama no UFC, ganhou carimbo de herói nacional, ganhou selo com a cara dele no Estado de Portland e o catapultou para uma luta explosiva com Wanderlei. De quase deixado de lado em duas semanas a co-main event em seu próximo combate e TOP 10 no ranking do Sherdog em duas semanas. Quem apostou pesado no Leben nesses dois eventos quebrou a banca.

Com a derrota insossa de Fedor para Werdum dias atrás, a aura de melhor peso pesado do planeta estava em aberto. E até poderia ter continuado, caso o vencedor de Brock Lesnar e Shane Carwin viesse por meio de uma interrupção prematura do árbitro, um resultado inesperado por conta dos juizes ou uma luta arrastada. Nada disso aconteceu. Em MMA lendas surgem de batalhas lendárias. Quando um atleta parece suportar o que ninguém suportaria, fazer o que ninguém suporia, é porque alguma coisa especial está acontecendo. Se Shane nocauteasse Lesnar, ele seria esse cara. Ele teria nocauteado o atleta mais forte e veloz do planeta, aparentemente imbativel. Mas no caso de Lesnar, a vitória parecia poder vir apenas por um domínio de solo por conta de um wrestling superior, sem maiores emoções. Mas, novamente, nada disso aconteceu. Se Lesnar era um dos lutadores mais ferozes do mundo por sua força e agilidade, o que dizer dele depois de apanhar durante 3 minutos de um atleta que nocauteia seus adversários com 1 ou 2 socos? Se o homem que transforma todo adversário que toca num saco de batatas esparramado pelo chão, desce a mão até não aguentar mais, diretamente na cara de Lesnar e ele, não só aguenta, como volta para o segundo round e finaliza com um katagatame? Se nem Carwin consegue nocautea-lo ou impedi-lo de levar a luta para o chão, somado a sua temida força, peso e velocidade sobre humana, é seguro dizer que presenciamos o nascimento de uma das futuras lendas do MMA. Lesnar não é gente como a gente, não é feito do mesmo material e é, hoje, inquestionavelmente, o cara mais sinistro do planeta.

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