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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

CRÔNICA 10 - A VIDA È UM OCTAGON (publicada na Revista TATAME 178)


O dia da luta está chegando, as fotos na coletiva de imprensa, a encarada na hora da pesagem. Você fala demais do seu adversário e depois passa a noite inteira pensando em como fazer metade do que disse ou fica quieto esperando o grande momento? É cachorro ou predador?

No vestiário, no dia da luta, é como estar no ônibus indo para o primeiro dia de trabalho, é o silêncio antes do trovão. É o momento em que pergunta se realmente queria estar ali. Você não conta, mas sabe a resposta. Se ficar nervoso segue em frente ou inventa uma lesão para não lutar? Desce do ônibus e chega atrasado ou dá as caras e mostra que merecia a vaga? Talvez vomite de ansiedade no vestiário, é normal, os músculos do abdome tencionam e contraem as entranhas. Você lava o rosto, coloca as luvas e segue pelo corredor de testemunhas, fãs, gente que vai contar a história real, ou pede ao treinador para esperar mais 10 minutinhos? Quando chega a sua hora, você olha os outros nos olhos ou fica com o olhar perdido? No último segundo antes de entrar no octagon, no escritório, no altar, você sente que era isso exatamente que queria fazer ou adoraria dar um passo atrás?

A luta vai começar. Nem que queira não dá pra arregar. Mas se pudesse, iria tentar? Quando ouve seu nome, sente o coração bater sangue para o corpo todo, todo vivo, sente que é agora, it’s time, ninguém vai tirar isso de você? Ou solitariamente sabe que não queria estar ali? Quando há problemas com alguém que você ama você está junto ou manda dizer que não está? Dá chilique ou resolve? Ajuda seus pais ou chama a mamãe? Quando anunciam o oponente você treme ou vibra com a chance de mostrar pra todos quem você realmente é?

Quando a luta começa você fica circulando, lançando jabs sem direção até ser vaiado ou faz o que deve fazer? Você sabe o que tem que fazer? Parte pra ganhar ou espera não perder? Se cair por cima, fica enrolando para ganhar pontos ou desce o cotovelo na cara? Vai ter pena ou vai lutar pelo seu sonho? Vai orgulhar seu filho, seu treinador ou vai amarelar? Se cair por baixo, vai ter medo de levar soco? Vai virar de ladinho e esperar o juiz parar ou vai sair para uma chave de perna? Abrir a guarda e pedalar e tentar levantar até conseguir? Se não conseguir vai desistir? Mesmo em desvantagem, encurralado na grade, vai se agarrar a vitória, forçar o adversário a desencaixá-la de você como se ela fosse parte do seu corpo e tentar ganhar de todas as maneiras até que eventualmente perca, ou vai entregar em troca do fim da luta?

Se sente invencível até que a realidade do combate, da vida, te prove o contrário ou já entra derrotado? Tem espírito de vencedor ou a resignação de um coitado? E mesmo que tenha sucesso, se dê bem, ganhe lutas e seja o fodão, você vai perder um dia. Todos perdem. Fedor Emelianenko perdeu. Mas quando cair, vai se levantar ou ficar no chão? Quando finalmente estiver de pé, olhará para frente ou para baixo? Chorará de tristeza ou vergonha? A derrota te incendeia ou te apaga? Enche seus olhos de sangue ou esvazia seus colhões? Já vai preparando a desculpa que vai contar para e imprensa, para a namorada, ou vai falar a verdade sobre seus erros? Reconhece ou desmerece o adversário? Quando se apagam as luzes, o sangue esfria, os machucados começam a doer, o coração pesar, você se promete nunca mais fazer isso de novo, mudar de ramo, deixar pra lá, ou absorve cada minuto, cada erro e acerto e está pronto para outra? Se pudesse mudaria de vida, de curso, de carreira depois de cada momento difícil, como um macaquinho que pula de galho em galho? Ou se sentiria vivo, por mais que decepcionado, ardendo com a vontade de fazer tudo de novo, ter outra chance, com a certeza absoluta e indestrutível de que encontrará seus sonhos em algum momento ao longo dessa estrada. Por mais que seja difícil. Se a estrada for de pedra, você será titânio.

A vida é um octagon e estamos com mini luvas pretas, invisíveis, todos os dias. Nossos adversários estão por aí, trabalho, fofoca, doença, mentiras e tanto mais. Como se estivéssemos constantemente esquivando socos ou escapulindo de um mata leão justo, sonhando em sermos mais do que já somos. Provar que amor, felicidade e reconhecimento existem sim é um combate duro contra a realidade imposta pela maioria que não tem espírito vencedor. São poucos cinturões em MMA, mas milhares de campões nas lutas do dia a dia, aonde ser feliz é a maior das glórias. Mas felicidade não é um lugar onde nascemos nem um presente dado. É uma dimensão que criamos. Um espaço nosso que abrimos na porrada, na marra, dentro da realidade sem graça da vida comum. Algo pelo que lutamos e eu vou lutar a minha vida inteira, até o último round. Você é um lutador?

twitter.com/nicoanfarri

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

ANÁLISE: UFC 125 - Edgar VS Maynard


O técnico de futebol Luiz Felipe Scolari disse que “tudo que começa bem, acaba bem”, se referindo a um bom 2011 para o time do Palmeiras caso a pré temporada seja bem feita. Por mais que essa frase seja motivacional para a equipe, é de um tom romântico que não compartilho. Times ganham o estadual e são rebaixados no brasileirão eventualmente, Gray Maynard espanca Edgar no primeiro round e deixa a vitória escapar nos outros. È da natureza do esporte de alto rendimento. Mas seria um excelente ano se todos os eventos tivessem a mesma qualidade bruta desse UFC 125.

Frankie Edgar VS Gray Maynard

Só um dos maiores atletas do planeta conseguiria espancar Frankie Edgar por 4 minutos seguidos e só um verdadeiro campeão agüentaria. Aço é um dos metais mais fortes do mundo, mas não penetra titânio.

È difícil dizer que falta capacidade de decisão a Gray Maynard quando sobra coração a seu adversário. Gray é uma usina de milhões de gigatons. O lutador mais forte e estrategicamente rude do peso amassou Kenny Florian numa bolinha de papel em sua última luta. È um lutador franco, com discurso ríspido e objetivo. Ele quer ser campeão, só isso. E vai seguir em frente tombando qualquer objeto estático que ouse parar em sua frente. O problema é que Edgar não fica parado. Não fica quieto nem para apanhar. Maynard é visceral. Achar a resposta para quem pode vencê-lo não é fácil, mas é verdade que ele não conseguiu vencer Frankie. Um empate justo e frustrante numa das lutas que já será lembrada como uma das melhores do ano quando 2012 estiver se aproximando.

Frankie Edgar não é famoso por nocautes ou por finalizar lutas. De suas 15 apenas 5 não foram para os juízes e 3 foram suas primeiras contra adversários inexpressivos. Edgar é o Mr. Fightmetric, Mr.Compustrike. Nenhum lutador é tão procurado após um evento em sites que contabilizam golpes e ataques quanto ele. Parece que ganha de adversários que nós supomos que ele não deveria ganhar. O que mais justificaria BJ Penn ter uma revanche imediata após a derrota para ele e o mesmo acontecer agora com Maynard? Dana White parece querer que alguém tire Edgar de lá de qualquer maneira. Quase como não conformado com o cinturão ainda estar em sua cintura.

Edgar não fala mal do adversário, não nocauteia, não finaliza, não dá declarações polêmicas, não é modelo e não parece ter nada que o separe dos atletas comuns. De fora Edgar é um lutador franzino, bom menino, com um bom boxe, um excelente wrestling e só. Mas por dentro ele é um campeão de verdade. Um cinturão só marca a conquista, quem é realmente campeão nasce com alguma coisa diferente. Pode ser o sangue que bombeia mais rápido, os músculos que não cansam, os ossos que não quebram, a cabeça que não tonteia depois de 50 socos. É difícil explicar como Edgar agüentou o açoite de Maynard no primeiro round. Difícil explicar como ele voltou para o segundo com o nariz fraturado, mas com a esquiva, coragem e determinação de quem venceu o primeiro, e não de quem levou uma surra. Difícil explicar como ele continua melhorando tanto em áreas que ele parecia não ter mais como melhorar. Quantos atletas conseguiriam dar em Maynard o suplê que ele deu? Jogar um atleta tão poderoso, tão incrível nessa modalidade, quase que de cabeça no chão como se fosse um amador? Até o segundo round, todos afirmariam ser impossível.

Uma vez perguntado por que nunca havia perdido mesmo enfrentando adversários tão talentosos, Fedor Emelianenko respondeu: “talvez porque eu queira vencer mais do que eles querem”. Frankie Edgar quer demais ser campeão enquanto Gray Maynard acha que já é.

Brian Stann VS Chris Leben


Eu gosto de lutas rápidas. Elas tendem a ser o documento visual do talento de um atleta executado com perfeição, ou do despreparo total do adversário. Em qualquer um dos casos, é sempre uma luta importante para ranking, ou pelo atalho que um pegará para o topo ou pela queda do outro. Mas essa luta entre Stann e Leben não teve nenhum desses reflexos.

Leben não dá desculpas. Entra e luta. Todos sabemos e ele já provou mais de uma vez. Mas ele estava estranho e seu treinador mencionou que havia vomitado minutos antes de entrar. Vomitar por nervosismo é relativamente comum entre atletas de todos os esportes, mas não teria sido esse o caso. Leben tem a caixa craniana muito grande para seu peso e ainda é um lutador lento. Sem estar no auge de suas faculdades físicas para absorver quase 100% de todo soco que recebe direto, sem resvalos, ele não agüentaria muito contra ninguém. Ainda mais contra as mãos pesadíssimas e socos em linha de Stan. Leben foi nocauteado, mas se encontra estático no ranking, Depois das vitórias impressionantes que vinha encaixotando, uma derrota nessas condições não muda muito sua carreira. Uma luta contra Wanderlei seria de fissurar maxilares.

Stann tem uma carreira extremamente irregular. Muitos vão apontá-lo como um nome promissor e querer vê-lo contra TOPs da categoria mas estariam o jogando na cova dos leões. Stan tem história de vida e discurso para cativar o público. Nunca será campeão, mas com um pouco de cuidado o UFC pode transformá-lo num ídolo. Uma luta do “all american” contra o maior ídolo inglês, Michael Bisping, pode acelerar seu processo de canonização.

Thiago Silva VS Brandon Vera

A luta tinha tudo para ser explosiva, mas Thiago que tanto reclamou da estratégia de “amarrão” de Rashad contra ele próprio, aplicou a mesma contra Vera. Quando todos esperavam uma colisão sem piedade entre dois dos melhores trocadores do MMA, o que vimos foi um derrubando e batendo e outro caindo e apanhando. Mérito total do brasileiro por ser tão bem sucedido nas quedas e demérito total do americano, a essa altura na carreira, ter uma defesa de queda tão primitiva.

Thiago é um lutador feroz e tem os braços recheados de concreto. Quando ele luta seus adversários sempre saem avariados. Com exceção da derrota para Machida aonde ele entrou hipnotizado pelos comandos em japonês do pai de seu adversário e acabou nocauteado sem desferir um soco, até seu único outro algoz saiu com a cara amassada e quase foi nocauteado. Thiago tem 11 nocautes em 15 vitórias. É incontestavelmente um dos melhores do mundo e luta difícil para qualquer um, mas quando batucou nas costas do amaciado Brandon Vera, no terceiro round, ele não tirou onda com o americano. Tirou onda com ele próprio. Mostrou que mesmo pegando pelas costas um adversário indefeso e parado, ele não conseguia nocautear e nem era competente para finalizar, mas sabia como tocar pandeiro. A real maneira de um striker tirar onda é deixar o adversário com a cara na lona antes do fim do tempo regulamentar.

Thiago venceu a luta, mas perdeu aquela aura de lutador destemido, que vai para matar ou morrer. Antes, Thiago era sinônimo de trocação clara, sem receios. Agora parece ter adotado uma veia mais estratégica, mais moderada, que lhe renderá mais vitórias, mas as custas de lutas muito menos emocionantes. Tudo isso por ter sido derrotado por Rashad sem levar um soco, apenas em quedas estrategicamente perfeitas. Maldito Rashad. Uma revanche entre os dois poderia ser realizada sem luvas e num torneio de wrestling.

Para Vera não sobram muitas opções. Ele sorrir e brincar com o próprio nariz quebrado após a luta foi um barato. MMA é isso, é um esporte. Não há e não deve haver ódio ou rancor. Mas em esporte de alto rendimento, sorriso após uma derrota é muito pouco para valer uma bolsa de milhares de dólares no maior evento do planeta. Vera provavelmente será cortado.

Clay Guida VS Takanori Gomi

Durante o primeiro round, observando a movimentação errática de Clay Guida, me peguei lembrando da Joelma no show da banda Calipso. Ninguém no planeta se movimenta assim e luta ao mesmo tempo. È um padrão complicado de decodificar até para mestres na movimentação como Edgar, Cruz, Anderson, imagine para Gomi. Clay se moveu desprovido do constrangimento que grandes lutadores teriam em executar uma técnica de combate sem ter qualquer domínio sobre ela. Mas Guida não é um cara muito afeito a bons modos nem tem muita vergonha das coisas, vide os arrotos e cusparadas que já desferiu para nosso desgosto tantas vezes. Mas essa improbabilidade, essa tentativa incansável superando a lógica pragmática dos caretas, lhe rendeu mais uma vitória. Gomi é excelente em pé, tem precisão e um alcance enorme, mas nada poderia prepará-lo para esse tipo de lutador. Guida vence sem convencer de novo e continua subindo no ranking.

Quem começou a ver MMA hoje não sabe porque os fãs mais antigos adoram Gomi. Ele esteve envolvido em 5 das melhores lutas de todos os tempos. Contra Kawajiri, Pulver, Dias e as duas antológicas contra Azeredo. Um lutador tão fantástico em tão pouco tempo que se tornou, junto com Sakurada, um dos poucos asiáticos a realmente conquistar as mentes dos ocidentais. Mas isso foi há muito tempo atrás. Gomi ainda é novo e tem poder de nocaute, mas parece que o fogo secreto que arde nos lutadores especiais está só em seu apelido agora. Lutas dele contra trocadores podem render incríveis shows ao UFC, mas tenho dúvidas de o evento terá todo esse cuidado com a progressão de carreira do eterno Fireball Kid.

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