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terça-feira, 5 de julho de 2011

ANÁLISE: UFC 129 - Pierre VS Shields


O UFC 129 teria sido um dos melhores eventos do ano, mágico e violento, não fosse pela participação de um homem, um atleta em específico, mas longe de atleta qualquer. A noite não foi espetacular porque um dos maiores campeões de todos os tempos mais uma vez roubou o show e escondeu em algum canto escuro, porque quando desliguei a TV havia uma sensação de insatisfação estranha que Lyoto, Couture, Hominick e Aldo não mereciam. Culpa de Georges St.Pierre. Um evento menos sobre vitorias ou derrotas e mais sobre renascimentos.

Georges St.Pierre VS Jake Shields

A maior arma de Jake Shields nunca foi seu fantástico jiu-jitsu ou disposição para espremer o corpo até do bagaço sair uma gota de vitória, era na verdade uma espécie de super poder capaz de atrair o adversário para um mundo em câmera lenta. Ganhando ou perdendo as lutas de Shields parecem devagar, socos que causariam dano em qualquer situação, nem deixam marca. Revejam Jake VS Miller ou Handerson, mas é uma arma quase sempre eficaz. Como fugir de um dos maiores finalizadores do planeta, um cara que antevê 2, 3 movimentos de solo que a maioria nem compreende e ainda em slow motion? Nesse UFC 129 Pierre fez a segunda coisa que faz melhor, fazer seus oponentes parecerem amadores desativando sua maior característica, fechando a válvula principal. Pierre forçou Shield a lutar em velocidade normal e o que era para ser um épico do MMA se transformou em mais um show de repetição e acerto do campeão.

Normalmente uma luva é recheada de ossos carpiais, metacarpiais, falange proximal e etc. Substâncias que dão peso a estrutura da mão e com boa aceleração, impacto ao soco. A luva de Shields é diferente. É recheada de algodão doce e zero aceleração. Fato que em pé não teria muitas chances contra um atleta explosivo e disciplinado pela cruel precisão de Freddie Roach. Mesmo assim Shields, que teria sua única chance real no solo, seguiu a risca a estranha e inapropriada estratégia traçada por seu treinador, Cesar Gracie, de manter a luta em pé. O próprio atleta aparentemente desmotivado com as diretrizes de seu comandante, mas como bom soldado se mantendo fiel, insistia em perguntar “posso tentar derrubar agora”. E ouvia um “ainda não” preciso e taciturno que cada vez mais o empurrava para o único lugar aonde não queria estar. Lembro dos meus tempos de menino freqüentando a praia do Pepê, de pé, de sunga vermelha, olhando impávido para o horizonte ensolarado, quando um senhor de aparentes 80 anos me perguntou se podia entrar no mar que se encontrava ferozmente revolto. Eu, não percebendo que me confundia com um guarda vidas, disse com a precisão de Cesar Gracie um frio “claro”. O senhor sumiu por entre as águas para jamais voltar no que foi, provavelmente, seu último encontro com Iemanjá. Shields ainda terá quantas lutas de MMA quiser porque é um dos melhores do mundo e merece, mas de ter confiado plenamente em quem o empurrou para a derrota certa, provavelmente nunca esquecerá.

St.Pierre é um dos melhores lutadores de todos os tempos, mas fato que bem mais cansativo do que toda a imprensa parecer sem coragem de dizer o contrário, é assistir suas lutas atualmente. Do primeiro ao quinto round, como cronista, acorrentado pelas correntes da ética a poltrona. Que inveja de quem pode ir até a cozinha, fazer uma pipoca e voltar na metade. O hábito tende a matar o prazer e Pierre entra para lutar enfastiado de tantas vitórias e elogios e fotos e autógrafos. Um olhar sem brilho e sem a determinação de antes. Sem fome, sem desejo ou paixão. Pierre reduz genialmente todas as milhões de possibilidades de um combate a um movimento, um ataque. Venceu Koscheck com jabs, apenas jabs. Porque fazer qualquer outra coisa se jabs eram suficientes? Venceu Hardy e Alves apenas com quedas. Para que tentar nocautear, realmente finalizar, mostrar que sua faixa não voltaria meio cinza da lavanderia? Para dar show, para ser mais do que melhor, se tornar um dos maiores, por respeito ao fã, por amor ao esporte que ele pratica, pelo legado que os grandes atletas deixam para as novas gerações e tantos outros motivos justos que cada um de nós teria. Nenhum deles tem grande valor para Pierre que entra, vence e vai embora. E esse combate do UFC 129 que tinha todos os ingredientes para ser emocionante ou apenas mais uma vitória tranqüila penetrada por uma das mil brechas na guarda de boxe de Shields, acabou sendo um bocadinho diferente.

A coisa que Pierre faz melhor hoje em dia é projetar com a ajuda de alguns dos maiores treinadores do planeta, um design para transformar qualquer combate num tédio completo. Tira o videogame da tomada na última fase. Essa luta não fugiu disso, mas como um marido que esqueceu que sua esposa é linda e a deixa ir de shortinho para a academia, Pierre vem se tornando desprevenido. Despreparado para o azar. Culpa de seu talento e culpa de seus adversários, não encontraremos inocentes. Em sua memória longínqua do que era ser um atleta de MMA está em algum compartimento a realidade de que seu domínio sobre os adversários e status de campeão vinha por sua ferocidade e coragem, e não por lutar de modo precavido e quase medroso. Podemos criticar, mas nada teria mais impacto do que o soco de Shields que arranhou sua córnea. Um soquinho de nada, mixuruca, que o desestabilizou e colocou em quase pânico. Castelo de cartas pode cair com uma janela aberta na hora errada. Naquele momento, quando temeu por ficar cego e derevria por coragem e precaução levar a luta para o solo, não conseguiu. Se manteve pregado, congelado na carbonita do plano, sem capacidade de improvisação, sem colhoes para mudar o eixo da luta. Fazer o que ele sempre fez tão bem. Naquela hora, naqueles longos 3 rounds que faltavam, ele sentiu que seu calabouço estratégico de onde seus adversários não conseguem sair, na verdade, tem ele, Pierre, como o grande prisioneiro. Lançado a uma solitária, sem magia e inspiração. Aguardando a morte lenta esportiva, dolorida de ter um cinturão de ouro que não brilha, lembrança do que já fez e não consegue mais.

Pierre virá mudado para a luta contra Nick Diaz. E ele apanhará como nunca apanhou ou vai ter que vencer em pé um adversário melhor que ele em boxe ou realmente faixa preta no chão. Vitorioso ou derrotado sairá ensangüentado, mas independente do resultado, renascerá.

José Aldo VS Mark Hominick

Nenhum atleta concentra mais força e agressividade por centímetro de músculo que José Aldo, mas ele estava diferente nesse UFC 129. Pode ser a readaptação já que vinha de lesão, o nervosismo de estrear como superstar no maior evento do planeta ou um resfriado mesmo. Não é mistério de Agatha Christie. É apenas uma pena. Aldo é mais forte, veloz, resistente e tático do que vimos. Mesmo assim foi suficiente para espancar o excelente quase desconhecido da maioria, Mark Hominick. O fim arrastado da luta, a dificuldade de Aldo no último round e a decisão por pontos dá uma falsa impressão de equivalência no combate, mas foi a capacidade inumana de absorver dano, agüentar dor, perseverar e um coração do tamanho do Canadá que fizeram o adversário se agüentar em pé até o final. Fosse Faber, Gamburyan ou quase qualquer outro, teria saido do octagon na maca.

Estrear contra um desconhecido grande lutador é uma missão inglória. Vai ser difícil vencer e a vitória vai chamar muito mais a atenção dos ranhetas do que dos fãs. Uma vitória sólida sobre um dos melhores lutadores da categoria, mas que será lembrada muito mais pelo valor do derrotado do que pelo esforço do campeão.

Homnick é um dos melhores trocadores do MMA e parece não sentir dor. Quando toma um knockdown nunca está desacordado, não há mudança em sua expressão, não range nem os dentes. Não há desistência. È um dos maiores adeptos da filosofia de BJ penn de que: “homens de verdade não desistem de uma luta por socos”. Para cessar o ímpeto infernal de Hominick de continuar e continuar, quase que abastecido pelo sangue que vai perdendo, só quebrando algum membro ou desligando suas sinapses nervosas. Um excelente atleta que vem dando shows em MMA faz anos e teve em seu maior palco sua derrota mais doída. Hominick entrou como desconhecido, sucumbiu frente ao brilho de um campeão genuíno e renasceu para os fãs como um dos maiores lutadores da atualidade.

Lyoto Machida VS Randy Couture

Randy Couture afirmou antes da luta que iria se aposentar de sua maneira, quando achasse que era o momento certo, diferente de Chuck que foi aposentado pela realidade de que ou abandonava a idéia de enfrentar lutadores tops ou sua vida poderia abandoná-lo dentro do octagon. Posso estar fazendo uso de picardia indelicada com uma lenda, mas tenho minhas dúvidas de que tinha planejado se aposentar com um dente a menos em uma de suas performances mais melancólicas.

Couture é uma lenda. Sua importância para o MMA só será realmente sentida daqui a alguns anos. Um ídolo genuíno, um competidor de verdade e um dos campeões mais emblemáticos. Um dos primeiros, junto com Fedor, Vanderlei, Sakuraba e poucos outros a ser querido por fãs do mundo todo. Uma lenda é indestrutível, uma vez criada, fica marcada na história da humanidade, tipo cicatriz, tatuagem, em livros, memórias. Não sai mais. Eterno como lenda, acabado como atleta de ponta. Um excelente wrestler que resolveu virar boxer, um pioneiro em estratégia de luta que se tornou um brigador, um atleta consciente de seus limites que se tornou prepotente. Couture involuiu. Atrofiou. Pediu para lutar contra Lyoto, seria seu canto do cisne, escolheu a dedo pegar um dos lutadores mais enigmáticos de todos os tempos alegando saber como enfrentá-lo. O que vimos foi apenas um lutador antigo, sem precisão, tentando imitar muito mal a estratégia usada por Quinton Jackson. Acabou nocauteado e banguela, um dos piores destinos, mas ao longo dos poucos minutos de luta ele não parecia ter como reescrever um fim de história muito diferente.

È uma pena ver o fim da carreira dos maiores, parece que pedaços do que nos construiu como fã de MMA vai ficando pra trás, mas se era para ele acabar caindo, se sua última luta seria uma derrota, não poderia o destino ter sido mais generoso conosco do que esculpi-la com a faca do pé de Lyoto Machida.

Sobre os maiores a marreta da expectativa desce mais pesada e Lyoto vinha tendo que absorver duros golpes da mídia, fãs e organização do UFC. Sua performance atrapalhada contra Shogun e a falta de objetividade contra Rampage o colocaram numa situação complicada. Estaria ele fazendo o que sempre fez, só que decodificado, ou estaria lutando mal mesmo? Teria ele um estilo tão preciso que não permite excessos? A questão é que Couture foi oferecido a Lyoto como boi de piranha. Se ele não vencesse um lutador estático e quase aposentado, seria cortado do UFC. Luta entre o jovem e fantástico e o antigo e previsível. Quando a vitória parece clara, a questão é como ela vai acontecer. Lyoto mostrou para Anderson Silva o que deveria ter feito contra Maia se achava-se tão superior.

Quando Lyoto está calmo vê os adversários quadro a quadro. Cada pequena brecha vira rombo e despejou talento num nível que não vemos sempre nem nesse esporte que é tão apaixonante. Quem acha que o chute que colocou um ponto final na carreira de Couture é simples, talvez tenha assistido karate kid demais quando criança. Um chute desses passar raspando, acertar com o dedão, contundir mas não derrubar e todas as variações mais prováveis são o que vemos em tantas tentativas dentro dos octagons. Youtube é testemunha, mas contra um lutador tão experiente, que já tinha começado a esquiva para o lado, estava com a cabeça alta e a uma distância aparentemente segura, só sendo gênio. Em MMA presenciamos performance dos maiores atletas do planeta em vários aspectos e Lyoto mostrou a diferença entre faixa preta e mestre. Em um dos mais bonitos e violentos golpes do esporte Machida renasceu nesse UFC 129.

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