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terça-feira, 29 de junho de 2010

CRÔNICA 3 - Luto ao cubo


2010 começou de modo nefasto com o falecimento de três insubstituíveis ícones esportivos. Dois desses se desassociaram da matéria e já se encontram em outro universo, sobre uma nuvem fofinha e branca ou num céu dourado vivendo eternamente sua vida de sonhos, dependendo de por qual prisma religioso abordemos a questão do fim da existência física, já o outro, o terceiro, ainda perambula entre nós. Apesar de vivo em corpo, sua alma encontra-se estilhaçada, e essa talvez seja a pior das mortes.

Façamos luto por Armando Nogueira, que muitos dizem ter sido um dos maiores jornalistas do Brasil. Mentira. Foi um dos maiores do mundo. Extraiu do chute que erra a bola e perde o gol feito, ao invés do óbvio proferir de impropérios que a maioria de nós teria para oferecer na melhor das hipóteses, uma certa pena da bola, que sonhando o enrosco sensual com o fundo das redes, se viu largada, só, na grama verde sentindo-se não querida. Fez de vitórias simples de 1 a 0 jornadas multidimensionais entre o céu e o inferno. Desdobrou o normal em belo e livre, sem acanhamento de fazer de cada texto uma declaração de amor por momentos que a maioria teria como mundanos. Endeusou esportistas, transcendeu esportes, exagerou miudezas, tirou uma das trilhões de estrelas do firmamento e colocou para brilhar no peito de cada botafoguense, um artífice de palavras que sempre escreveu de modo interessado sobre as pequenas coisas que o rodeavam. Como o sol amando e falando baixo com os planetas. Armando norteou um caminho que só existe para quem consegue ver além dos olhos, caminho que, para José Saramago, a maioria não vê. Um caminho tortuoso pelo qual ele nos levava pela mão, sem sobressaltos, reafirmando em cada crônica o xeque mate do além sobre o aquém.

Façamos luto pelo Grão Mestre Luiz Alves, uma das maiores lendas não reconhecidas do esporte brasileiro. Manteve vivo o muay thai no Brasil durante um período em que a luta era mal vista e desprovida de glamour. Perseverou quase sozinho, guiado por aquela convicção de aço forjada no Olimpo com a qual apenas alguns homens especiais são agraciados, levando a bandeira de sua luta e sonhos. Vanderlei, Anderson, Shogun e outros, não foram seus alunos, mas são filhos do muay thai que tomou o Brasil de assalto apenas porque a célula mater se manteve pulsante no corpo do mestre durante anos a fio. Se o Brasil tem mais campeões de MMA, mais gente saindo da marginalidade por optar pelo caminho dessa luta e arte, mulheres fazendo aulas para emagrecer, Luiz é o responsável. Ele fez o Brasil um pouco mais campeão, seguro e saudável.

Façamos luto por Frank Mir. Um dos maiores lutadores de MMA de todos os tempos nos ensinou que a maior das estruturas musculares não se sustenta sem coração. O seu talento e sucesso prematuro nos fez acompanhar uma jornada auto-destrutiva ao longo desses anos de mais derrotas vexatórias do que vitórias relevantes. Como um amigo que insiste em contar histórias tristes e nos contaminar com uma dor que deveria ser só dele. Mir sofreu um acidente de moto anos atrás que partiu sua perna em dois. Contrariou os médicos que diziam não poder nunca mais competir vencendo alguns dos maiores lutadores do mundo anos depois. Mas algo foi desativado no dia do acidente. Frank não vencia mais lutas com o coração, vencia por conta exclusiva de sua técnica completamente diferenciada, mas nas vezes em que teve sua raça, sua alma testada, começou a fraquejar, vez após vez, num mau exemplo deprimente de que vontade supera talento. No UFC 111 presenciamos a definitiva morte por esquartejamento do espírito de Frank pelas mãos de Shane Carwin, num nocaute devastador, que arrancou pedaços de sua alma diante das TVs do mundo todo. Mir passou de um possível desafiante ao título a um lutador que precisa de acompanhamento psicológico.

Armando e Luiz não estão mais aqui em corpo, mas suas ondas vão sacolejar o mar da existência por muito tempo. Mesmo longe, parecem tão perto. Frank Mir está perto, mas ninguém parece ligar. Se a vida é mais do que só viver, se compreende o que somos e o que outros são, podemos afirmar que Armando e Luiz viverão para sempre conosco, já Mir, está morto para essa vida. Pensando bem, talvez essa coluna tivesse que ter feito luto apenas para uma pessoa. Para as outras duas, caberia melhor uma salva de palmas.

TWITTER: @nicoanfarri

4 comentários:

  1. Pobre Mir. Talento jogado fora. GOstei do texto.

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  2. Realmente. Frank Mir é um dos maiores do mundo mas sua inconsistência o impedirá, provavelmente, de fazer parte daquele grupo seleto de atletas que são lembrados por gerações após a sua, os melhores de todos os tempos.

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  3. Com ceteza o mestre Luiz alves deixa saudades, manteve viva a alma do Muay thai com a ajuda de alunos que não trilharam o mundo do MMA.

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  4. Excelente sacada, belo texto e explêndidas homenagens a grandes mestres. Inquestionável a importância de Mestre Armando Nogueira - principalmente, para minha profissão -, mas como o Grão Mestre Luiz Alves fez parte da minha vida, é difícil não sentir saudades e, assim, reverenciar o exemplo de nordestino - assim como minha família - que luta e alcança seu objetivo.
    Saudades, Luiz Alves...
    Parabéns, Nicola!

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