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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

CRÔNICA 17 - SHOGUN VERMELHO (publicada na Revista Tatame 197)

Depois de uma estréia triunfal no UFC, Glover Teixeira foi oferecido como adversário para Maurício Shogun, que negou a luta. Dana White veio a público expor as minúcias de sua conversa com o lutador o que levou fãs a baterem palmas para sua sinceridade e apontarem o brasileiro como amarelão. Teria sido Dana sincero ou antiético, e principalmente, das várias cores metafóricas que o ex campeão pode ter, amarelo é uma delas?

Não me entendam mal. Sou um homem sincero. Desprezo meias verdades, mas se a minha mulher perguntar se gostei do seu vestido no dia do nosso casamento, vou dizer que sim mesmo que ache feio, e quem questionar minha sinceridade, nunca amou. Se sou dono de uma empresa e conto para qualquer cliente quais funcionários acho ruins, o mais incompetente acaba sendo eu. Que pago seus salários e me escondo atrás de uma vagabunda sinceridade para disfarçar incompetência como gestor. Encobrir um erro não é encobrir um crime. Por isso em política é diferente. Político que dedura os outros está sendo sincero (mesmo que por motivos escusos) já que apenas a má intenção rege o comportamento daqueles que depois de eleitos por nós, se locupletam da situação para benefício próprio em detrimento do povo. Num esporte, numa empresa particular, um funcionário errar, faltar, ser menos competente, não é crime. O diretor expor essa situação mostra falta de ética profissional e dificuldade na administração de valores. O esquecimento de que independente da posição hierárquica, deve haver respeito. É canalha aquele que para benefício próprio coloca a vista intimidades de outros, profissionais ou de coração, que ele só soube porque o relator o tinha como confiável. Dana White expôs a escolha de Shogun porque o ano está cheio de lutas caindo por conta de lesões e essa negativa aumentou o problema. Fez de raivinha. Dana poderia ter apenas dito que não aceitou a luta e assim o teria preservado sem contar nenhuma mentira. Até porque nesse caso há uma realidade dita contra milhares de possíveis interpretações. A verdade de que Shogun amarelou, é apenas uma. Ele não querer pegar um cara nível TOP 10, apesar ainda mal ranqueado, é outra. Mas o real incômodo não vem das palavras de Dana, vem de grande parte dos fãs se deliciarem mais na carniça de um suposto fracasso do que admitir vibrar com o sucesso de quem merece.

Shogun lutou duas vezes contra Lyoto, até então imbatível, aguentou ser torturado com requintes de crueldade pelo Jesus negro Jon Jones e trocou porrada franca contra Dan Handerson, um dos atletas mais violentos da história. Afirmar que Shogun amarelaria para Glover não é dar crédito demais ao outro, é canibalizar as próprias memórias. É mastigar e engolir sem fome a lembrança de tantas lutas fantásticas que um dos maiores de todos os tempos ainda faz. É cuspir no prato que a gente comeu. Shogun é adulto, rico e bem sucedido. Não precisa da minha pena ou defesa. Me preocupa é um grupo enorme de fãs que digerem memórias como morto vivo. Zumbis sem gratidão que vão vagar pelas noites de UFC apontando pra TV e grunhindo que Fedor nunca foi nada demais, que Anderson só pegou adversários fracos, que Shogun rateou. Quem não consegue mais ver magia nesse esporte, está deixando emoção vazar pelo furo no cantil. Nem ligo porque o meu está cheio. Mas a disseminação dessa idéia azeda contamina os mais novos.

Shogun nunca foi amarelo, se de alguma cor, foi vermelho. Pintado de sangue tantas vezes, melando a luva e manchando a lona sem o menor instinto de auto preservação, acelerando nosso batimento cardíaco, dando cria dolorida a momentos que podemos guardar, eu guardo, ou mastigar, engolir e ejetar. São os atletas que apanham e batem, mas somos nós os guardiões da história. A alma desse esporte está conosco para passar a outras gerações. Sem memória e respeito o MMA vai morrer, porque ingratidão é um adversário que nenhum lutador pode vencer.

4 comentários:

  1. Olha...

    Eu vejo MMA primeiro UFC com o Royce, Gordeau, Shamrock e acho que até o Pat Smith tava nessa. (você deve tá pensando que eu sou mais um daqueles chatos velhos e tudo mais, contudo peraí). Desde pequeno acompanho artes marciais, sou mais estudioso que atleta, acompanhei todo o desenvolvimento do UFC até ele entrar na zona de falência e eu migrar pro Pride e curtir alguma coisa de Tele Catch - sim, eu curtia/curto tele catch. O Lesnar ficou famoso lá, não podemos esquecer, algum valor devemos dar - e agora que voltei mais a assistir. Agora não, pois não sou como dizem por ai "geração Rede TV". Vi Rickson, Royce, Royler, os R todos e mais uns tantos por ai. Dan Severn dando suplex no Anthony Macias pra depois entrar no triângulo do Royce (sim, Royce, até a entrevista que ele deu pro Lendas do UFC, foi o maior pra mim. Depois disso, virou um bunda mole como todos os Gracies velhos que se julgam invenciveis), vi o Vitor surgir, vi o Wand, Pelé, aquela galera que lutava nos eventos do Batarelli, o Bitetti levar uma coça do Frye pra depois o Frye ser levantado pelo Coleman e esse perder pro Maurice Smith, vi Japão, vi Brasil, vi Extreme Fighting, vi tantos outros por ai, li revistas, aluguei VHS, enfim... quase tudo e de tudo um pouco.

    Você escreve muito bem. Nunca vi ninguém esmiuçar e detalhar tanto o esporte como você. Suas analises, suas visões, o jeito que você coloca poesia num soco são muito bem argumentados e feitos. Eu, além de gostar do esporte, ter uma visão de analise e paixão também, gosto bastante de escrever. Tenho um blog, livros caseiros, faço poesias, mas nada jornalistico como você. Eu não sei onde quero chegar, gostaria de dar os parabéns pelos seus textos. Tenho a visão que hoje o MMA é como Roma, não só o MMA, mas como a sociedade em geral. O General White, comandado pelos Imperadores Fertitta, dá o seu polegar estendido ou não para que o nocaute seja realizado. Foi a evoluçao natural - ou não - apesar de que no Ocidente as coisas são glamurizadas sem fim, por isso eu ainda prefiro um pouco o Pride, o Oriente, as regras que eles tinham por lá. O que sairá disso? Espero que não a morte, que não duvide algum esperto ainda vai querer fazer isso. Lutas com morte só são legais nos filmes, que o diga O Grande Dragão Branco, o melhor de todos os filmes. Aliás, você já viu e imaginou uma coisa daquelas sendo feita? Hoje em dia seria chato, não teriamos tanta plasticidade, a luta iria pro chão e bem... Alguns se salvariam, apenas um ganharia a Katana.

    Bem, eu já falei e divaguei demais. Continue assim, é o que eu tenho pra dizer por último. Agora que vi seu blog, não vou parar de ler.

    Até mais.

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  2. Há muito tempo que eu leio seu blog. Acho que o mesmo tem o mesmo tempo que eu leio suas crônicas na Tatame. Não importa, a quantidade de vezes que eu ler é exatamente igual a quantidade que eu vou ficar impressionada. E nessa, tenho que confessar, eu realmente quase chorei. Porque se tem um cara que eu realmente sou fã, é o Shogun.. Parabéns mil vezes pelo blog, pelas crônicas e por me proporcionar ótimas leituras.

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  3. É com muito prazer que aprecio os seus textos. Parabéns!

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