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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

CRÔNICA 9 - FAROESTE DO CABOCLO (publicada na Revista TATAME edição 177)


O corpo de José se formou em Manaus, mas seu espírito era carioca. Magrinho, caboclo, flamenguista e impaciente com a vida ali parada na sua frente. Passou pelo lado e se mudou para o Rio com aquele peso no estômago de que alguma coisa iria acontecer. Se era peso bom ou ruim dependia do dia, da fome, da sorte, do sol, da saudade. Um frio que retorcia as entranhas sem piedade, num balé de tripas que não conseguimos acompanhar. Alguma coisa iria acontecer. Está escrito em algum lugar, tinha que estar.

Tinha resolvido tentar esse negócio de MMA, esse tal esporte que dizem que cresce no mundo todo, que dá dinheiro, fama e essas coisas boas que sonhamos às vezes. Perdeu o cabaço esportivo com 17 anos, ainda um moleque, no Amapá, no peito, na raça e no peito do pé. Botou seu primeiro adversário para dormir com um chute na cabeça. O mesmo peito do pé que fazia embaixadinhas com bola de meia. Também sonhava em ser jogador de futebol. Aldo estava lá, pronto para agarrar um de seus muitos sonhos, uma criança cercada de vaga-lumes. Um moleque do interior, destemido e temido.

Resolveu seguir carreira, parecia que lutar era uma coisa natural. Lutou pela vida, pelas chances. Nunca teve coisas de mão beijada. Muito mais menino de rua que playboy, Aldo não temia derrotas. Sua vida seguia como uma kombi cheia de lutas, vitórias, tapas nas costas, elogios, confiança, amigos da onça e parceiros de treino, até que o pneu estourou numa pedra que havia no caminho. Uma pedra chamada Luiciano Azevedo. Aldo sofreu sua primeira derrota e para o inferno ele foi pela primeira vez.

O que passou pela cabeça do garoto deixo para Freud explicar, mas deve ter sido algo entre abandonar a carreira ou tentar ser o melhor do mundo. Hormônios se atracando com neurônios. Várias pessoas sabiam exatamente o que ele fez de errado, mas cada uma sabia uma coisa diferente. E ele só sabia que tinha perdido. O que ninguém podia imaginar é o que viria depois. Foram 3 vitórias inexpressivas, mas ele não tinha driblado o destino e deixado sua terra pra trás apenas para isso. Estava diferente, reticente. Dois passos pra trás, um pra frente. A derrota matou alguma coisa. O medo lacerava sua impetuosidade. Parecia que a rota para as galáxias estava mais para uma estradinha asfaltada. Até que um dia. Tudo mudou.

Em sua estréia no WEC, vimos sua reinvenção. Dizem que os artistas olham para o mesmo lugar, mas vêem coisas diferentes. O que Aldo vê quando olha para o chão antes da luta? Ele que chega pulando e cantando, quando entra na jaula se silencia. Alguma coisa vai acontecer, aquele peso agora é nas tripas da gente, o disjuntor vai mudar de lado, as manivelas estão sendo giradas, a freqüência vai ser alterada, a eletricidade vai começar a correr, a energia vai ser liberada. E ele levanta os olhos, quase com sono, quase como se não estivesse ali ou como se ali estivesse, na verdade, outro. Será? E com olhos de peixe morto ele lança sua fúria e destruição sobre quem está do outro lado.

Aldo se tornou um dínamo, um átomo friccionando dentro de uma caixa de chumbo, em suas veias corre energia nuclear, tem que ver, é difícil explicar. Joelhos se teleportam até a cara do adversário, braços fininhos, quase gravetos, tencionando como dois pistões ligados por fibras de titânio, uma força que não pode ter quem tem esse tamanho, uma velocidade que não pode ter quem tem esse peso.

Aldo é o soldado espartano que tira a armadura para ficar mais leve e perigoso, o planeta que explode a casca e vira uma supernova. A fênix que nasce de dentro da carne de quem quer demais alguma coisa, e não do pó do derrotado. É menos primeiro para ser mais depois.

Aldo é malandro sem terno branco ou chapéu panamá, é o carioca que nunca nasceu no Rio. Tem cara de bandido, de caixa de banco, de motoboy e de tantos tipos. Tem cara de qualquer um porque é um homem comum. E é comum em seus treinos, em sua vida, em seu dia a dia. Uma pessoa calma, atenciosa, nem parecendo que mora em outro universo. E ele é esse cara, quem conhece sabe, humilde, manso, trabalhador, consciente de tudo o que viveu, de onde nasceu e de quantas vezes ouviu que não teria a menor chance. E é assim até que entra no octagon. Aí, ele é outra coisa. Outra criatura. Um atleta magnífico.

Aldo é cowboy que sempre vence o duelo, mas não dá tiro pra cima. É ídolo reconhecido no mundo inteiro e ainda faz embaixadinhas na rua. É o homem fantástico que não se importaria nem um pouco em ser homem comum. Poderia ser “aquele cara”, mas prefere ser um de nós. A vida marcou seu coração e rosto, e ele vai cortar o MMA com seus punhos de navalha para sempre.

TWITTER: @nicoanfarri

3 comentários:

  1. parabens pela cronica Lico,vc não me conhece so amigo do Aldo e tenho uma comunidade no orkut dele bem antes dele ser o campeão que er agora fico + 1 * PARABENS.

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  2. O próprio José Aldo disse que leu a minha crônica e que adorou, via Twitter.

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  3. Fala Nico, beleza?
    A crônica tá excelente como sempre velho mas achei que ia falar um pouco mais de como foi e como é a vida do Aldo...
    Abraço!

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