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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

CRÔNICA 8 - NÓS SOMOS O MMA (publicada na Revista TATAME edição 176)


Para os fãs mais antigos, desde os eventos que remontam as vitórias de Royce Gracie, assistido em rústicas fitas de VHS como se fora um graal ditoso, o crescimento do MMA foi progressivo. Para os ninfetos no esporte, o sucesso do MMA aconteceu tal qual um cabeção de nego que explode perto do pé no meio da rua, uma espécie de big bang fantástico de socos e glóbulos vermelhos que vidrou e apaixonou sem culpa. MMA é o mais shakesperiano dos esportes. É o ser ou não ser de nossa geração. To be or not to be. A primeira luta que cada um de nós assistiu foi mais do que um reles combate, foi um questionamento humilde e interno sobre certo e errado, pecado e santidade, guerra e paz, bom e mau.

Independente da idade e cultura esportiva do fã é bem verdade que há teorias diferentes para o motivo que levou o esporte a tomar esse vulto em tão pouco tempo e porque continua a crescer sem sinais de se deixar abalroar por crise econômica, críticos cínicos ou a má organização que ainda é chaga que macula a maioria dos eventos realizados ao redor do mundo. Em setembro de 2009 o UFC atingiu um número maior de pay per views no mercado mundial do que em todos os 12 meses do ano anterior, que, por si só, já tinha sido o ano mais lucrativo do esporte em todos os tempos. Estima-se que o MMA cresce em fãs e finanças entre 20 e 40% ao ano.

O MMA aparece monolítico e invulnerável em meio a esportes empoeirados, regulamentados por regras obsoletas que não respeitam a vontade dos fãs ou, simplesmente, não visam o maior entretenimento. Mesmo assim, o que tem esse esporte que o torna tão atraente? Porque, apesar de violento, mulheres e homens de todas as idades e até crianças tem uma fixação crescente por essa forma de competição? O que MMA tem que outros esportes de contato mais tradicionais como tae kwon do, karatê, judô e etc não tem? O MMA é mais verdadeiro. Não há um kit de sobrevivência para poder competir, não é preciso ser particularmente veloz ou fisicamente forte. Pode ser magro ou gordo, escolado ou semi-analfabeto, versado em várias artes ou apenas em uma. È um momento aonde cada atleta se despe de conceitos feitos para padronizar as possibilidades e entra para competir com o que tem, com o que acha melhor, mais conveniente, mais acessível, com tudo que quis aprender ou com apenas o que conseguiu. O resultado acaba sendo um somatório de habilidades, determinação, talento, limitações e sorte, assim como na vida de cada um de nós.

MMA é o espelho da vida cotidiana, aonde há algumas regras a serem seguidas, mas o sucesso é determinado por um conjunto de normas invisíveis. Se os esportes antigos tinham ídolos inalcançáveis, gente que fazia o impossível por serem mais altos, mais fortes, mais velozes do que o indivíduo comum, o MMA tem ídolos humanizados, de todos os tipos físicos, que vencem e perdem por conseqüência das limitações impostas por regras que permitem quase tudo. Quando se pode usar qualquer habilidade, qual usar? O que treinar mais? Não há perfeição, não há invencibilidade. Em boxe, quem não tem punch ou queixo, não vai longe na carreira. Sabemos o caminho, sabemos o que tem quem o trilha. Mas, em MMA, o que faz um campeão? O que não tem quem perde, e o que tem, com certeza, quem ganha? O que há são atletas enfrentando a consequência das suas escolhas, que pode ser um cinturão ou os dentes quebrados com a cara na lona. Como nós, em nossa vida, com os conselhos que ouvimos ou não, como o amigo que ajudamos ou deixamos pra lá, com o trabalho aonde fazemos hora extra sem reclamar com o patrão ou saímos antes sem ninguém saber. Somos guiados por nossas convicções sem certeza de resultado, sem garantia de sucesso.

MMA é o prego martelado na realidade de vidro dos esportes cotidianos, é uma tirada de onda com quem acha que tudo já havia sido inventado, é a revolução da competição, é para amar ou deixar. Acabou de chegar e já sentou na janela, já quer ser olímpico, já é um dos mais vistos no mundo. É um esporte rude e espaçoso que não tem vergonha de ser o que é. Cada luta de MMA é uma fatia da vida real, um exemplo a ser seguido ou descartado. Cada luta espelha nosso desejo mais primitivo de alcançarmos glórias a qualquer custo, sem frescuras, vencer sendo nós mesmos ou vencer do jeito que der, sermos campeões no talento ou na brutalidade, superarmos o adversário de qualquer maneira, seja ela bela ou fugaz, pasteurizarmos a violência e o sofrimento com a satisfação do triunfo. Uma ratificação de nosso eu maquiavélico. MMA é o esporte que mais cresce no mundo porque é o esporte que merecemos.

TWITTER: @nicoanfarri

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