
Para os fãs mais antigos, desde os eventos que remontam as vitórias de Royce Gracie, assistido em rústicas fitas de VHS como se fora um graal ditoso, o crescimento do MMA foi progressivo. Para os ninfetos no esporte, o sucesso do MMA aconteceu tal qual um cabeção de nego que explode perto do pé no meio da rua, uma espécie de big bang fantástico de socos e glóbulos vermelhos que vidrou e apaixonou sem culpa. MMA é o mais shakesperiano dos esportes. É o ser ou não ser de nossa geração. To be or not to be. A primeira luta que cada um de nós assistiu foi mais do que um reles combate, foi um questionamento humilde e interno sobre certo e errado, pecado e santidade, guerra e paz, bom e mau.
Independente da idade e cultura esportiva do fã é bem verdade que há teorias diferentes para o motivo que levou o esporte a tomar esse vulto em tão pouco tempo e porque continua a crescer sem sinais de se deixar abalroar por crise econômica, críticos cínicos ou a má organização que ainda é chaga que macula a maioria dos eventos realizados ao redor do mundo. Em setembro de 2009 o UFC atingiu um número maior de pay per views no mercado mundial do que em todos os 12 meses do ano anterior, que, por si só, já tinha sido o ano mais lucrativo do esporte em todos os tempos. Estima-se que o MMA cresce em fãs e finanças entre 20 e 40% ao ano.
O MMA aparece monolítico e invulnerável em meio a esportes empoeirados, regulamentados por regras obsoletas que não respeitam a vontade dos fãs ou, simplesmente, não visam o maior entretenimento. Mesmo assim, o que tem esse esporte que o torna tão atraente? Porque, apesar de violento, mulheres e homens de todas as idades e até crianças tem uma fixação crescente por essa forma de competição? O que MMA tem que outros esportes de contato mais tradicionais como tae kwon do, karatê, judô e etc não tem? O MMA é mais verdadeiro. Não há um kit de sobrevivência para poder competir, não é preciso ser particularmente veloz ou fisicamente forte. Pode ser magro ou gordo, escolado ou semi-analfabeto, versado em várias artes ou apenas em uma. È um momento aonde cada atleta se despe de conceitos feitos para padronizar as possibilidades e entra para competir com o que tem, com o que acha melhor, mais conveniente, mais acessível, com tudo que quis aprender ou com apenas o que conseguiu. O resultado acaba sendo um somatório de habilidades, determinação, talento, limitações e sorte, assim como na vida de cada um de nós.
MMA é o espelho da vida cotidiana, aonde há algumas regras a serem seguidas, mas o sucesso é determinado por um conjunto de normas invisíveis. Se os esportes antigos tinham ídolos inalcançáveis, gente que fazia o impossível por serem mais altos, mais fortes, mais velozes do que o indivíduo comum, o MMA tem ídolos humanizados, de todos os tipos físicos, que vencem e perdem por conseqüência das limitações impostas por regras que permitem quase tudo. Quando se pode usar qualquer habilidade, qual usar? O que treinar mais? Não há perfeição, não há invencibilidade. Em boxe, quem não tem punch ou queixo, não vai longe na carreira. Sabemos o caminho, sabemos o que tem quem o trilha. Mas, em MMA, o que faz um campeão? O que não tem quem perde, e o que tem, com certeza, quem ganha? O que há são atletas enfrentando a consequência das suas escolhas, que pode ser um cinturão ou os dentes quebrados com a cara na lona. Como nós, em nossa vida, com os conselhos que ouvimos ou não, como o amigo que ajudamos ou deixamos pra lá, com o trabalho aonde fazemos hora extra sem reclamar com o patrão ou saímos antes sem ninguém saber. Somos guiados por nossas convicções sem certeza de resultado, sem garantia de sucesso.
MMA é o prego martelado na realidade de vidro dos esportes cotidianos, é uma tirada de onda com quem acha que tudo já havia sido inventado, é a revolução da competição, é para amar ou deixar. Acabou de chegar e já sentou na janela, já quer ser olímpico, já é um dos mais vistos no mundo. É um esporte rude e espaçoso que não tem vergonha de ser o que é. Cada luta de MMA é uma fatia da vida real, um exemplo a ser seguido ou descartado. Cada luta espelha nosso desejo mais primitivo de alcançarmos glórias a qualquer custo, sem frescuras, vencer sendo nós mesmos ou vencer do jeito que der, sermos campeões no talento ou na brutalidade, superarmos o adversário de qualquer maneira, seja ela bela ou fugaz, pasteurizarmos a violência e o sofrimento com a satisfação do triunfo. Uma ratificação de nosso eu maquiavélico. MMA é o esporte que mais cresce no mundo porque é o esporte que merecemos.
TWITTER: @nicoanfarri
Nenhum comentário:
Postar um comentário