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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

CRÔNICA 7 - PAIXÃO DE SILVA (publicada na Revista TATAME edição 175)


Saudade boa acalma o coração, mas saudade com remorso é uma mistura ácida para a alma. Einstein teorizou a viagem no tempo, mas não podemos realizá-la sem sermos dissolvidos em partículas. Cabe então aceitarmos nossas limitações metafísicas e fazermos o melhor com o tempo que temos. Cabe admirarmos a magnitude da genialidade de Anderson Silva enquanto ele ainda coexiste nesse plano e caminha entre os mortais como Ares caminhava entre os espartanos. Um deus do combate incompreensível e imensurável.

Há 5 anos Anderson não tem adversários, tem oferendas. Lutadores entram no octagon como ovelhas sacrificadas a uma entidade. Em meio a movimentos leves e inacessíveis, sempre sai ileso, abandonando as carcaças ensangüentadas de seus oponentes pelo chão. Inevitavelmente tornou-se campeão bailando agressivamente com a contundência de uma piscina de giletes. Mas algo aconteceu. Ele, um tão diferente de nós, se apaixonou.

Anderson se apaixonou pelo brilho dourado da cinta de campeão. Quem haverá de culpá-lo por amar? Mas amor nos amolece. A maior de todas as dádivas, a capacidade de se completar no outro, é nossa, dos de carne e osso. Para lendas, pode ser espinhos na coroa. E o medo de perder uma luta, e sua paixão, o fez abandonar seu estilo incrível por um mais seguro. As lutas que eram antológicas se tornaram vitórias monótonas e ele que sempre nos presenteou com magia, parecia desdenhar de nós.

Muitos fãs entristecidos e sentindo falta dos instantes fantásticos que só ele oferecia começaram a torcer por sua punição. Como um senhor de engenho que acha de bom tom um leve açoite no negrinho, remontando a momentos desprezíveis de nossa história. Precisavam de alguém que desse um corretivo no Anderson para forçá-lo a voltar a nos maravilhar com sua beleza combativa. Como se pudéssemos forçar um colibri a cantar ou o sol a brilhar.

Chael Sonnen, um americano clássico, se prontificou impávido para a tarefa. Davi contra Golias. Passou meses ofendendo Anderson e até o Brasil. Parecia o homem certo para o trabalho sujo e no UFC 117 foi para cima e o espancou. Se Anderson estava no auge de sua forma e o adversário o dominava por totais méritos, se estava com a costela lesionada ou se estava apenas triste pela aparente vontade dos fãs, da multidão, de vê-lo perder, é irrelevante agora. Como entender o gênio?

A verdade é que Sonnen colidiu o couro de suas luvas com o rosto de Anderson com a maior violência e virilidade que suas artérias e músculos permitiam, num ato comovente de que podemos superar limites e desafiar o mais forte. No primeiro round até gostamos. Foi emocionante. No segundo, começamos a ficar apreensivos e a partir do terceiro, tudo mudou. Soco após soco nós voltávamos ao normal. Fomos tomados por um medo primitivo de presenciarmos o fim de alguma coisa da qual teríamos saudade. Aquela saudade trêmula de quem se arrependeu de não ter tomado posição, de ter ficado do lado errado, de ter se encolhido e se cagado ao invés de correr e fazer alguma coisa.

E nesse momento o Anderson, um, foi todos nós, milhões. Nesse momento cada soco doía dentro da gente. Ficamos de pé, torcendo para as coisas voltarem ao normal. Para que ele vencesse e nos perdoasse, porque nenhum de nós fez por mal. Se ele mudou por seu amor nós também mudamos por nosso amor ao seu show. Nós nos entenderíamos, só faltava ele sair de lá, e de lá ele ressurgiu. Como gênios fazem, sem explicação ou aviso, a tormenta acabou. Escreveu certo por linhas tortas. Num golpe corrigiu o curso da história. 1 segundo de Anderson em 23 minutos de Sonnen. Ele venceu e nos venceu. Nos comoveu. O coração do incansável Sonnen foi partido e o nosso explodiu. Presenciamos o espancamento de um dos maiores de todos os tempos e contemplamos sua mão erguida, novamente, mas tão diferente, ensangüentada e renascida. Um campeão inalcançável mostrou que é como nós no que temos de melhor. Nosso coração. Nesse momento, eu que não sou ufanista, que amo MMA acima de nacionalidades e bandeiras, me orgulhei de ser brasileiro.

Anderson é um gênio louco e intraduzível que brota e colhe a rosa do asfalto, que racha a realidade com cotoveladas, confunde as dimensões com os punhos. É lenda para ser contata aos filhos mais do que compreendida. Marrento para alguns, humilde para outros. É pedaço Bruce Lee, pedaço Jordan, pedaço Michael Jackson e pedaço Charles Chaplin. Anderson é para se admirar e não para entender. É mais água que pedra. Seu trono no hall dos deuses do combate já está esculpido em ouro. Amem ou odeiem, não importa, não dá para mudar a rota do colosso. O que podemos é, um dia, termos a saudade boa das vezes que o aplaudimos ganhar.

TWITTER: @nicoanfarri

6 comentários:

  1. muito bom texto, me arrepiei lendo, continue assim. Parabéns pelo belo trabalho.

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  2. eu sou fan de anderson silva e dessa pessoa que escreve as palavras que nos deixa mais calmos e mais bem explicados ! parabéns pela belas palavras amem a o grande semi deus anderson silva \o/

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  3. Parabéns Nico ótima crônica... continue assim!

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  4. Realmente, texto perfeito!
    Parabéns!
    Blog nos meus favoritos, a partir de agora. :D

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