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sexta-feira, 27 de agosto de 2010

CRÔNICA 6 - OS IMORTAIS (publicada na Revista TATAME edição 174)


Às vezes nossas vidas tomam caminhos inesperados, alguns nos levando até para longe de nosso coração, dos anseios silenciosos de nosso espírito. É dilema comum ao indivíduo habitante de uma sociedade civilizada ter que trabalhar, produzir, bater ponto, se conter, calar quando ainda tem coisas por dizer, numa taxa invisível de frustração e stress paga diariamente pelo nosso sentimento. Mas como um leopardo que não coloca as presas numa caça há dias, começamos a ansiar por alguma coisa maior. Algo por entre a retidão dos escritórios, algo para romper o nó da gravata, alguma coisa além da carne. Coisa que faça nossos glóbulos vermelhos aquecerem e bombearem mais rápido, o coração pulsar mais forte dentro da caixa torácica, os neurônios acelerarem as sinapses nervosas, nossos olhos marejarem e nos sentirmos vivos, num clamor atual por coisas ancestrais.

Séculos atrás gladiadores se enfrentavam em arenas para despertar um mar sensorial de frenesi e exaltação no povo, o que acabava por acalmá-lo. Hoje em dia, precisamos de mais. Nossa demanda é proporcional as nossas tensões, violência, preocupações do dia a dia. Precisamos mais do que apenas uma arena, precisamos de um espaço aonde caibam todas as nossas almas, precisamos do derradeiro palco para um esporte de contato, do maior dos circos de adrenalina, um festival de superações e derrotas num show de coragem e agressividade esportiva que só o MMA pode proporcionar. Precisamos do UFC.

O UFC é o nosso Coliseu, o maior palco para combate já criado, aonde convergimos todos, de qualquer cor, classe, sexo, como uma irmandade, incontrolável, num foco de energia intensa e constante. Não são os lutadores que estão presos dentro do octagon, somos nós que estamos presos do lado de fora, com os olhos paralisados como mármore, clamando por mais uma luta, mais um round, mais alguns segundos, numa sede e fome insaciáveis por glórias e fracassos. Por coisas além do comum. Um show que apenas gladiadores podem proporcionar.

Os lutadores, neo-gladiadores, murmillos, comandados pelo maior lanista que já caminhou nesta terra, Dana White, nos oferecem seu sangue, seus ossos para fissura, seus ligamentos para tensionarem além do ângulo, seus dentes para cambalearem dentro do protetor, seus sonhos para serem despedaçados, seus olhos para chorarem lágrimas derrotadas, oferecem tudo o que podem por um momento de glória. Por uma vitória que seja, de qualquer maneira, só para sentir o nosso silêncio aflito, incerto do fim do combate, que dura apenas um micro segundo, e depois explode em sons, palmas e gritos de euforia. Naquele momento, todo o treinamento, meses de esforço e dietas e, ouso dizer, até a vitória, não teriam muito gosto para o vencedor se nós não estivéssemos lá. Os lutadores são pólvora e nós somos fogo.

Nós somos a multidão, aquela massa furta-cor, sem rostos definidos, que rodeia o octagon, que vibra e vidra de frente para a TV. Não temos um nome porque desafiamos nomenclaturas, somos as milhões de gotas juntas que formam um oceano que nem Netuno domaria, somos nós que incineramos a paixão, transformamos vitórias em conquistas épicas, transformamos um gladiador, um atleta, um lutador, em herói. Não há glória sem nosso testemunho. Somos mais do que fãs, somos um exército unido por um amor frenético e poderoso pelo maior esporte da terra.

E no fim das lutas, ao apagar dos holofotes de mais um UFC, vamos desacelerando e diminuindo até voltarmos ao normal. No dia seguinte, nossas vidas continuam. Pais, filhos, empregados, empresários, apenas gente, misturados com tantos outros, aparentemente iguais, mas completamente diferentes por dentro. Nós, pelo menos uma vez por mês, transcendemos o osso e o sangue, tomamos parte de um espetáculo magnífico que desafia a percepção do indivíduo ordinário. Influenciamos na criação de histórias e lendas, aos moldes de como Zeus fazia do Olimpo. Uma vez por mês, nós somos como imortais.

TWITTER: @nicoanfarri

7 comentários:

  1. O que seria do UFC sem nóis (Fãs).?
    E o que seria de nois sem o UFC.?
    kkkkkkkk
    abarços

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  2. Brilhante crônica Nico, ás vezes a espera por um evento é tanta, que não vemos a hora desses gladiadores entrarem no octagon e honrarem suas bandeiras.

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  3. Mandou muito bem como sempre
    Parabens

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. COMO SEMPRE MUITO BEM COLOCADO, UMA VIAGEM EXTASIANTE.

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