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quinta-feira, 8 de julho de 2010

CRÔNICA 4 - Lágrima Siamesa


Depressão tende a ser precedida de euforia. Uma alegria espasmódica e aflita, descabida, que acaba como começa, encaixando perfeitamente num sentimento igualmente exagerado, proporcionalmente inverso. Um dando passagem ao outro. É comum essa sensação quando nosso time está numa final de campeonato ou nosso lutador favorito está no octagon. O improvável são esses dois sentimentos nos tomarem o âmago ao mesmo tempo, num desafio as leis da física, química, ou seja lá o que for, estraçalhando conceitos emotivos, os dois ao mesmo tempo, na mesma hora, num yin-yang terrível e apaixonante. Se futebol é uma caixinha de surpresas, MMA é a caixa de Pandora, e ela foi aberta no último Strikeforce.

Como bom humanista, nem feminista nem machista, admiro a conquista justa. A vitória pela superação, pelo talento, sem erros de juiz, sem acasos. E a vitória de Cris Cyborg me comoveu. Não por ser ela mulher e sua vitória mostrar que as mulheres podem fazer as mesmas coisas que os homens ou esses atestados sexistas que sublinham mais as diferenças do que decantam. Foi comovente por ser visceral, pela violência de uma campeã que, mesmo superando facilmente sua adversária, suou e sangrou e tencionou os músculos até o fim da luta. Sem dança, sem firula, num respeito brutal que só um esporte de combate permite. Em MMA, respeito é soco na cara, é esforço, é o choque, é colocar em cada movimento os ligamentos em risco, os ossos para serem fissurados. E isso vindo de uma campeã, que poderia cadenciar a luta, poderia amaciar o impacto ou poupar o corpo, é lindo de ver. O beijo em seu marido, seguido de um “eu te amo” visivelmente sincero, com a adversária estirada na lona, ao seu lado, descabelada, destruída, ensangüentada, é um manifesto pela magia violenta e poética desse esporte. Um momento Quentin Tarantino que só MMA proporciona. Nesse segundo, metade de uma lágrima umedeceu meu globo ocular.

Como realista, não consigo forçar beleza aonde não vejo. Não procuro pote de ouro no fim do arco-íris. Mas como toda rocha que precisa de certa dose de umidade, busco, ávido, momentos fantásticos, histórias verdadeiras aonde o impossível acontece diante de nossos olhos. Testemunhar o aparecimento de lendas e sua performance, como se pudéssemos contemplar o titã Cronos caminhando com um castelo inteiro cravado em suas costas, clamando por vingança contra Zeus. Porém é vazio presenciar o contrário. Presenciar o fim da carreira de um astro, de alguém que subverteu as regras da normalidade e pingou gotas de esperança nessa existência. Deve ter sentido oco o coração quem presenciou o fim da carreira de Garrincha, Maradona, Jordan, Hendrix. Porque, com certeza, o meu ficou ao presenciar a primeira derrota de Fedor Emelianenko.

Desprezo os urubus de carniça que torcem para o melhor perder, para o monumento ruir, para ver o circo de Soleil pegar fogo. São pequenos os que pensam assim, já que esse mesmo ídolo sobre as quais entranhas vão se debruçar, foi o que os fizeram gostar do esporte. Como um parasita que mata o hospedeiro. Mas fora para essa minoria, sua derrota deixou um vácuo.

São vários os grandes atletas, Anderson, St.Pierre, Shogun, Brock, mas ele era o atleta dos atletas. Era o topo da cadeia. Era o que todos queriam vencer. Batman não seria nada sem o Coringa. Foi ele que, quase sozinho, quando MMA enfrentou seu momento mais difícil, quando o PRIDE já andava mal financeiramente por dívidas com a Yakuza e o UFC tinha como maior estrela o insosso Tito Ortiz, realizava lutas antológicas no Japão que até hoje são usadas como exemplo quando queremos mostrar para alguém momentos incríveis no esporte.

Todas as formas de competição precisam de sobre-humanos. Aqueles que vão muito além do que parece cientificamente possível. É da lenda que contamos para nossos filhos, é da lenda que lembramos e é pela lenda que devemos respeito. Mas ele foi suplantado pelo triângulo mortal do brasileiro Fabrício Werdum. A flecha acertou Aquiles.
O maior não cai, ele tomba. E toda a terra do MMA tremeu. A outra metade da lágrima se formou, uma gota seca, única e ainda assim siamesa escorreu, leve de um lado e pesada do outro, feliz e triste, esquizofrênica e incontrolável, como só o maior esporte do planeta poderia cunhar.

TWITTER: @nicoanfarri

7 comentários:

  1. Disse tudo Nico!
    O MMA tá precisando de apoios desse tipo!

    Abraço.

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  2. É isso msm , uma das melhores crônicas que eu já li , se não foi a melhor .
    Descreveu o sentimento de muitos fãs de MMA depois desse evento .

    Continue com o trabalho que tá 10

    Abração

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  3. É o melhor texto sobre esporte que já li na vida, em qualquer esporte. Deveria estar escrevendo para algum jornal, e não só aqui no blog. parabéns

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  4. Obrigado pelos elogios. Bons textos precisam de bons leitores.

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  5. parabens velho, mto bom texto, o blog já está favoritado, continue assim

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  6. achei o blog pelo texto do dream na comunidade MMA, mas vendo o texto sobre o padeiro nao pude deixar de comentar.

    parabens pelo trabalho.

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  7. Sensacional a matéria ! tá de parabéns pelo texto Nico !

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