Seguidores

segunda-feira, 11 de março de 2013

CRÔNICA 19 - PIERRE PRECISA PERDER

Georges St.Pierre só tem duas derrotas em 24 lutas, não perde desde 2007, se impõe sobre adversários de alto nível com a facilidade característica dos acima da média, tem uma excelente aparência, história de vida inspiradora de rapaz que chegou a trabalhar como gari e agora é uma estrela, fala bem, tem discurso sem maneirismos ou a eventual falácia que ainda estigmatiza o MMA, exalta seus adversários tanto na glória quando na queda e é responsável, quase que exclusivamente, pelo esporte ter virado febre num dos maiores países do mundo e sua terra natal, Canadá. St. Pierre é perfeito e por isso tem que perder.

Até sua derrota para Serra em 2007 Pierre era um dos lutadores mais empolgantes do mundo. Um atleta dinâmico e agressivo que usava seu excesso de possibilidades e técnicas para aceitar a emoção do combate. Um apaixonado pelo sonho de ser e se manter campeão. Ser destemido é característica do verdadeiro apaixonado e suas lutas mostravam desejo pelo esporte, eram o ápice de meses de treinamento, era aquilo que ele realmente queria, o melhor dia de sua vida. Atualmente a luta parece ser conseqüência natural de sua posição, um momento inevitável que faz parte do processo de ser lutador. Coisa mecânica. A paixão deu lugar a rotina e mesmice. Suas lutas se tornaram burocráticas, um bom-dia de caixa de supermercado.

St.Pierre luta com a calculadora na mão. O maior matemático do MMA. No marketing ele é faixa preta de jiu-jitsu, mas na prática não conseguiu finalizar o striker Dan Hardy em 25 minutos de luta de solo, mesmo sendo fantástico em wrestling segurou quase toda a luta em pé contra Koscheck e nos maltratou com a mais sacal demonstração de como dar jabs de esquerda num olho com o osso orbital quebrado. Tento não ser mesquinho, mas se é fato que é o campeão inquestionável de seu peso, também é fato que é faz lutas amarradas e sem brilho desde 2008.

Ídolos definem tendências, aparecem em noticiários, são imitados e MMA é muito maior do que Pierre faz parecer. Imaginem uma categoria apenas com Andersons, por exemplo. Mas e se fossem apenas vários St.Pierres? Quanto tempo para os fãs mudarem de canal para assistir ginástica olímpica ou ressuscitarem o boxe? Enquanto uns nos prendem na poltrona, St.Pierre nos levanta para ir ao banheiro ou beber água. É tão talentoso que só tem luta se ele quiser, e não quer. Quer é nos convencer que MMA é um somatório infinito de mais e mais técnicas, treino, preparação, sem emoção e risco na equação. Menos espetáculo e mais didática.

A diplomacia de um campeão é medida dentro do octagon e não em ternos Armani. O maior embaixador que o esporte já teve é russo, não fala inglês e divulgou MMA com o rosto cortado e nariz quebrado. Discurso feito com a boca e punhos fechados. As aulas de aritmética de Pierre já são vaiadas até no Canadá. Cada main event de UFC é um dos momentos esportivos mais importantes e influentes do planeta, é quando leigos que assistem pela primeira vez verão mais outras milhares ou nunca mais. Qual de nós aqui teria se apaixonado por MMA se a primeira luta que víssemos fosse Pierre VS Koscheck ou Hardy ou Alves ou Shields? E essas foram as primeiras e últimas de milhares de possíveis fãs. Pierre Vs Clay Guida numa luta sem rounds e limite de tempo poderia ser evento principal na entrada do inferno.

Para ser um dos melhores só precisa de vitórias, mas para ser uma lenda precisa de nossos aplausos. E isso ele não tem. Falta aquele olho vermelho com litros de sangue pra despejar por um sonho. Se vitórias e mais vitórias apagaram essa chama, St.Pierre então precisa perder. Um pequeno passo para trás e mil para frente. Pierre precisa apanhar de Nick Diaz. Não só perder, mas uma surra, coisa quase masoquista, ver sua cara amassada e ensangüentada. Ter a derrota rasgada no seu ego para eternidade, ouvir que sempre foi amarrão e nunca realmente tão bom. Serão calamitosas mentiras, palavras enxaguadas com paixão pelo fã, mas vai magoar e ele vai ser forçado a fazer alguma coisa. Lembrar que não nunca foi gênio, que sua real beleza está na perseverança, vai ter que voltar a carregar a cruz, começar quase do zero, repensar a carreira, em subir de peso, achar que somos ingratos, usar vingança como combustível, derramar sangue, voltar a vencer de modo contundente, ser aplaudido e em glória perceber que em MMA as linhas são sempre tortas.

St.Pierre precisa perder . Sabe que é nosso desejo quase secreto e isso corrói seu espírito de bom moço. Precisa arrancar as asas, jogar fora a auréola, se lançar por entre as nuvens na ponta do cotovelo de Diaz. Martelar o prego na mão. Quebrar a vitrine. Só na marra, espatifado e rastejando em seus próprios cacos vai entender a diferença entre os melhores e os maiores, os famosos e as lendas. Porque choramos a derrota de alguns e vibramos com a de outros. Georges St.Pierre precisa perder para poder renascer.