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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

CRÔNICA 18 - SEU ÚLTIMO DIA NA TERRA (publicada na Revista tatame 198)

Se hoje fosse o último dia na terra e esse o último texto que você lesse, se não desse mais tempo para voltar atrás nem pedir desculpas. Se o que você é nessa vida tivesse o ponto final agora, carregaria mais arrependimento ou orgulho? Se a revanche entre Anderson e Sonnen fosse a última luta de MMA que tivesse visto você deixaria essa existência levemente mais satisfeito, ou mudaria de dimensão sentindo que depois de todos esses anos o final da história deveria ter sido diferente?

Essa não teria como ser uma luta normal. E não me refiro ao acontecido dentro do octagon. Pois todos são limitados pelas leis da física. Alguns perambulam constantemente na fina linha que arranha o impossível, outros marcham no terreno vasto do comum, mas todos são regidos pelas mesmas limitações humanas. Lutadores fantásticos tem performances desprezíveis e ordinários se envolvem em lutas do ano. MMA é assim, mas essa não teria como ser. Dois anos de ofensa ao adversário, povo e família, por mais que fosse marketing se tornou verdade após a milésima vez. Uma luta colocando em choque conceitos tão disparatados que, por mais que os dois lutassem demais, dessem show, um sairia humilhado. Não haveria mérito a ser extraído da derrota. Quando o combate transcende o esporte e cai no campo da moral e ética, o resultado define mais do que o vencedor, mostra quem está certo.

Sonnen foi despudorado nas ofensas a Anderson. Derrubou o respeito, montou no bom senso e nocauteou sua paciência dias antes do combate. Sonnen lutou sua luta fora do octagon e ao levar Anderson a acerta-lo com uma ombrada na pesagem, ao leva-lo a quebrar sua película impenetrável de frieza, ao fazê-lo também agir com falta de respeito, por mais que no ultimo segundo, Sonnen sentiu que o fez quase como ele. Acuou o campeão até que desse um passo atrás para o mundo mortal. Sonnen queria, mais do que ser campeão como alardeava, provar que seu adversário era de carne e osso, homem comum. Já que Sonnen nunca teria dia de Anderson, fez Anderson ter dia de Sonnen. E nesse momento, um micro segundo após o golpe, eles foram iguais. E em sua mente maquiavélica sentiu que o plano funcionou. Poderia até cair de maduro e entregar a luta a vera, porque seu argumento havia sido provado. Sonnen venceu a guerra de palavras.

Sonnen é cria bizarra de Anderson. Um lutador mediano que teve na indiferença constante a suas bravatas ingrediente para transforma-las em desafio. O silêncio tem várias formas e o desinteresse do campeão, para alguns era medo, para outros prepotência. E a descrença de tantos fãs e daqueles que torcem contra quem sempre ganha, foram energia suficiente para quebrar aquele triângulo deveria mantê-lo preso para sempre e trazer a criatura de volta a vida. E Sonnen que foi longe demais, não foi longe o suficiente ao tombar novamente aos pés de seu criador. De tanto que falou, tinha obrigação de apanhar que nem homem, mas entregou antes. De sangrar até desmaiar, mas se contentou com um corte. De reagir até não sobrar mais nada, mas virou de ladinho. Pode dizer o que quiser agora, todos serão indiferentes. Anderson estava certo.

Desde que entrou no UFC foram 15 lutas e apenas 2 por decisão. Todos dormiram ou pediram para parar e essa não foi exceção. Um lutador comum derrubou o melhor de todos os tempos, segurou por alguns minutos, depois sofreu um nocaute técnico. Pronto. O que realmente tiramos dessa luta depende do que levamos para ela. Eu sou um homem imperfeito, um aglomerado de defeitos e algumas qualidades, mas encontrei uma mulher que me ama tanto quanto a amo, fiz as pazes com meus pais antes do fim e vi todas as lutas de Anderson Silva. Optei por vibrar com o incrível e buscar o melhor pra mim desde moleque. Anderson representa o sucesso do talento, o descompromisso com a mediocridade, o que há de melhor no esporte que amamos, ainda é campeão e até os que torceram contra, secretamente, respiraram aliviados. Se esse fosse meu último dia, sairia daqui feliz.