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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

ANÁLISE: UFC on FOX 2 - Evans VS Davis


O primeiro UFC na FOX teve Cigano se sagrando campeão e o espancamento de Guida pelas mãos cheias de fé de Ben Henderson, mas foi um evento não previsto no contrato entre emissora e Zuffa. Quase um bônus. Foi tentativa de aproveitar o fim de ano para calibrar transmissão que costumeiramente se desenvolvia no espaço elástico do pay per view. Agora necessitava de sincronia perfeita entre FOX, FX e Facebook. Tempo de lutas, nova vinheta, tudo tinha que se encaixar justo e tomar formato de programa de ponta em uma das maiores emissoras dos EUA. Contratualmente esse UFC foi o primeiro evento programado, com 3 lutas no card principal transmitidos pela FOX. E se tudo foi perfeito no ensaio ano passado, agora as coisas não se desenrolaram de maneira tão suave num exemplo prático da sabedoria de botequim de que “treino é treino e jogo é jogo”. Não adianta luz, câmera, sem ação. Efeitos especiais, divulgação, belas ring girls, bravatas na coletiva de imprensa ou o melhor announcer do mundo, nada é mais importante do que acontece dentro das 8 grades. Lá MMA surgiu e é lá dentro que pode morrer. A questão lúdica que povoa nossa cabeça desde criança de saber quem é o melhor lutador do mundo nos mantém acordado tantas madrugadas, esperando atletas que dedicam sua carreira ao combate nos darem resposta com violência, coragem e talento. Muito pouco disso vimos nesse UFC on FOX 2, que mesmo assim teve facilmente mais pontos de audiência do que qualquer outro programa no horário entre homens de 18 a 49 anos. A questão é quantos desses ao assistir MMA pela primeira vez na forma de 11 rounds melancólicos em 3 lutas do card principal, repetirão a dose. Muito do que Cigano construiu com uma mãozada ano passado, Evans, Davis, Sonnen, Bisping, Maia e Weidman destruíram sem a menor vergonha.

Charles do Bronx’s VS Eric Wisely

Geralmente começo a análise pela luta principal, mas me sinto pressionado pelo bom senso a abrir uma exceção. Num evento estéril, com gente ganhado milhões para falar besteiras nas entrevistas e lutar pouco, é emocionante ver um atleta genuinamente talentoso, ainda puro em sua intenção ininterrupta de vencer. Sem falar dos outros, sem pensar demais, sem hesitar. Charles Oliveira vinha de três lutas sem vitória. Derrotas pelas mãos de dois dos melhores do mundo e um no contest, por conta de joelhada ilegal em Nik Lentz. Quase qualquer lutador vivo entraria nesse quarto combate com o pé acorrentado a pedra da precaução. Daria dois passos pra trás e um pra frente. Mais jabs que uppers ou diretos. Controlaria mais no chinch do que tentaria derrubar, e se derrubasse, passaria a guarda e daria uns cascudos ao invés de ir para finalizar. Do Bronx’s não fez nada disso. Na verdade nunca faz nada do que achamos que vai fazer por isso é imprescindível para o esporte. Perdendo ou ganhando luta com alma. Como um coração enorme consegue bater espremido dentro de uma caixa torácica tão achatada, deixo para as máquinas de raios-X entenderem. Fato é que parece lutar por muitos e outros como se não lutassem por nada. Quer demais enquanto para outros, tanto faz. Entrou, atacou, viu uma panturrilha e finalizou. Simples assim. Se pega pé no rola, vai ver um na hora decisiva e deixar passar por quê? De que adianta nocautear os companheiros de treino e não dar soco com medo de perder a montada na luta, como tantos fazem? Bronx’s luta da maneira que pratica, que vive. Ele existe assim, em uma forma só, sem máscara, sem dúvidas. Enquanto tantos nesse card lutaram querendo ganhar, ele lutou para ganhar.

Eric Wisely é um lutador mediano. Não podemos afirmar que Charles venceu alguém relevante, mas os grandes fazem assim. O Barcelona joga bem mesmo contra adversários ruins. Os melhores fazem o incrível sempre, não se escoram na incompetência do adversário para justificar mediocridade, brilham mesmo sobre o apagado, bailam sozinho, cantam a capela.

Pequeno no peso leve ficou gigante no pena. Alto, longo e ocupando menos espaço que antes vai prensar ali dentro toda tática, genialidade, força, velocidade e foco que já faziam dele um dos mais promissores. Vai comprimir nêutrons e prótons, vai explodir na cara do adversário. Móvel, versátil, ataca de todos os lados pra pegar ou machucar. Vai ser líquido enquanto os comuns são sólidos. Num peso onde podia ser jogado de um lado para o outro como um boneco de pano, só foi perder para dois TOP 10. Tomou a melhor decisão de sua vida ao descer de peso e se tornar a única real ameaça a José Aldo. Charles do Bronx’s é pessoa simples, direta, sem frases de efeito, ameaças e coisas que ajudem a promover a luta. É um menino quase sem graça até. Mas dentro do octagon seus passos deixam traços de pó pirlimpimpim.

Rashad Evans VS Phil Davis

Evans e Davis se enfrentaram para decidir o próximo a desfrutar do direito masoquista de ser desmantelado por Jon Jones. Antes da luta, tinha certeza que nenhum dos dois, apesar de extremamente talentosos e bem preparados, carregava chance real contra o campeão, mas depois de 5 rounds sem força ou ímpeto vencedor, a certeza é de que qualquer um deles será humilhado.

Phil Davis venceu com facilidade Minotouro e Gustafsson, que se enfrentarão no UFC Suécia, mas nem assustou Rashad Evans. Cansou rápido apesar de ser um atleta de ponta e adepto de um dos mais exigentes regimes de treinamento. Com preparo físico estelar, parecia drenado ao final do primeiro round. Sem resistência cardiovascular. Laranja sem suco é só bagaço. Parecia exaurido pela importância da luta, da transmissão em emissora aberta, coisas fora da parte física. Porque a luta em si, apesar de várias esgrimas cansativas de wrestling, não exigiu de nenhum dos dois mais do que poderiam facilmente oferecer. Parece que amarelaram sincronizadamente e estrelaram um dos mais deprimentes eventos principais de todos os tempos. Ah! Que saudade de Munhoz Vs Leben.

Evans vem lutando pouco nos últimos anos, seja por lesões suas, seja por ter optado esperar determinados adversários se recuperarem de suas próprias lesões. Fato que seu corpo e preparação nunca mantém a mesma qualidade por dois combates seguidos. Pode estar com gás infinito contra Jackson ou esbaforido na metade do segundo round contra Davis. Muito tempo parado, muitos recomeços, o corpo sente de alguma forma. Lutou uma vez em 2009, duas em 2010 e uma em 2011. Apenas quatro lutas em três anos. O veterano e teoricamente aposentado Matt Hugues vem lutando com mais freqüência.

Rashad é um atleta incrível. Um dos maiores do mundo com facilidade. Poderia descer para o peso médio onde seria assustador, mas alguma coisa no somatório de suas habilidades não encaixa. Tem tudo, mas falta alguma coisa. Bom de boxe, mão pesada, incrível em quedas e defesa de quedas, eficaz em jiu-jitsu, poderoso ground and Pound, mas simplesmente não consegue mais ser contundente. Não consegue mais ferir a maioria dos adversários. Pegou tudo que poderia fazer dele um nocauteador nato, um dos mais amados e admirados, juntou numa gororoba de quedas e controle, sem emoção ou contundência. O Rashad antigo, aquele que nunca se imaginou campeão de alguma coisa, que ouvia que não era bom o suficiente, esse sim, dava o queixo, caia dentro, nocauteava, quebrava e vencia. Depois que cismou que só vale a pena ser campeão, acreditando piamente que o segundo é o primeiro dos últimos, aprendeu a manter a distância, transformar cada round em um campeonato de wrestling e cada momento no solo numa competição sem pano.

Evans é um dos mistérios do MMA. Comentarista convidado da ESPN live, campeão do TUF e do meio pesado, é vaiado até contra lutadores de outras nacionalidades, como foi o caso de quando defendeu seu cinturão contra Lyoto. O próprio declarou que recebe muito carinho dos fãs fora das lutas, mas no octagon e em pesagens, não importa contra quem, vença ou perca, as vaias virão. E tendo esse som como trilha sonora de sua vida, deu motivo até para seu fã mais ardoroso dar uma vaiadinha nesse UFC on FOX 2. Comedido, econômico, abusou do excesso de experiência, timing e controle de octagon e venceu sem sustos para ele ou emoção para nós. Disse ter dificuldade em se concentrar nessa, quando é apenas a luta pelo cinturão que tem na cabeça. Caiu no bueiro andando em direção ao restaurante. Venceu tranquilamente um dos atletas mais naturalmente explosivos, condecorados e muscularmente preparados do esporte, mas fez tão sem garra que pareceu irrelevante. Daqui a dois anos é que teremos real medida da qualidade de Phil Davis. O ponto a ressaltar é que Evans desperdiçou a chance de meter o pé na porta do saloon antes de atirar no xerife. Era o momento de acertar um mata cobra emocional em seu desafeto, Jon Jones. Mostrar que está em Kill Bill mode, com os nervos pinçados pela vingança, fazer o imbatível adversário tremer frente a sua raça e sentimento, qualidades que costumeiramente encontram brechas na armadura do talento. Colocar na confiança inabalável do campeão alguns farelos de receio. Nada disso Rashad fez. Verdade que em MMA tudo pode acontecer, mas essa improbabilidade não tem permissão para adentrar o reino de Jones. Lá, ele sempre vencerá. Rashad já perdeu.

Chael Sonnen VS Michael Bisping

Dana White afirmou que Sonnen e Bisping são os dois lutadores mais odiados do planeta. Na verdade são os dois mais farofeiros, ou como diziam na época da vovó: “fala - baratos”. Perceberam rapidamente o fascínio que palavras malditas, ofensas e falsas rivalidades geram sobre o atleta. Criando uma aura de interesse que vai além da habilidade, levando fãs a acompanhá-lo como um BBB ambulante, atrás de novas declarações e torcer para vê-lo apanhar e ser punido por tais injúrias. Nada exclusiva dos dois, essa tática funciona para qualquer lutador, de marmelada na saudosa época de Teddy Boy Marino até o morto-vivo K-1. Todos querem ver o que vai fazer aquele que falou demais. Isso vale para vender pay per view, aumentar o número de retweets, divulgar a luta, mas na hora que o portão fecha o que conta é performance. E eles que vinham de bons momentos, resolveram fazer tudo diferente no UFC on FOX 2. Quando os holofotes foram acesos, correram para a sombra. Seguraram golpe quando era para nocautear, socaram sem força quando era para machucar. Venceu um, mas poderia ter sido o outro. Uma luta equivalente e desprezível.

Bisping lutou bem. Talvez melhor do que lutou sua vida inteira, mas sua quantidade de talento é diminuta demais para fazer frente a um atleta de real alto nível. Não tem contundência, não tem pressão, mas teve vontade e coragem. Muito mais do que seu adversário que tanto falou. Bisping teve sua melhor apresentação no UFC e Sonnen uma das piores, mas isso foi suficiente apenas para manter o equilíbrio em uma luta que já parecia decidida. De tanto falar qualquer coisa e perceber que as pessoas acreditam, Sonnen resolveu acreditar nas pessoas e encarou Bisping como se fosse luta fácil. Partiu para cima para derrubar, despedaçar e não conseguiu. Se levarmos em conta que Bisping vinha se preparando para um lutador de jiu-jitsu que jamais tentaria derrubá-lo, foi desmoralizante Sonnen ter quase todas suas investidas neutralizadas. Venceu claramente o terceiro round, mas os dois primeiros poderia ter vencedor decidido no par ou ímpar. Nenhum tentou um pouco mais, nenhum realmente se expôs. Um venceu e vai fazer sua dita sonhada revanche contra Anderson, outro perdeu e continuará sendo divulgado como estrela do MMA por ser o maior representante da Inglaterra.

Se Sonnen conseguiu ser descabelado pelos socos de mão de bicho de pelúcia de Bisping, não agüenta um jab/direto de Anderson Silva. Acho que ao derrubar o adversário pela primeira vez e ver a chance de descer a mão, quebrar o atleta inferior, coisa que apesar de ser especialista mal fez nessa luta, sentiu uma pontadinha lá no fundo de sua consciência. Tal qual o rasgo de uma mini estrela ninja. Uma gotícula de razão no mar de provocações e impropérios que vem proferindo faz anos. Se deu conta que um soco bem dado no inglês poderia ser nocaute e carimbo de sua passagem para o Brasil, onde teria que compensar o cheque que sua boca passou mesmo sabendo não ter fundos. Talvez tenha passado a luta inteira numa espécie de: “ai meu deus, e se eu ganhar?” que tirou sua conhecida agressividade e força nos punhos. Tentou derrubar sem vontade, e não conseguiu, bateu sem pressão e não machucou. Se tivesse pênalti, pedia pra não chutar. Sonnen amarelou para Anderson antes mesmo do contrato ser assinado. Seu sonho real não era uma revanche. Era perder essa luta, dizer que o resultado foi controverso e passar mais um ano falando besteira e ganhando milhões com patrocinadores. Anderson Vs Sonnen é luta que todos os habitantes do planeta Terra que já ouviram falar de MMA realmente queriam que acontecesse, com exceção de uma única pessoa: Chael Sonnen. E como sou afeito a sabedoria popular, deixo aqui transcrita a frase que vai lembrar até o fim de seus dias: “Uh! Vai morrer!”.

Demian Maia VS Chris Weidman

Um lutador que podia ser incrível, mas optou por ser mediano, e um dos mais promissores jovens da atualidade com apenas 11 dias para se preparar, protagonizaram uma luta arrastada durante três particularmente longos rounds. Seja porque o veterano via nessa a última oportunidade de se aproximar do cinturão, seja pelo mais novo não ter o que perder, os dois tinham o compromisso ético de fazer desse um combate movimentado. MMA que tantas vezes no surpreende, dessa vez nos pregou uma peça.

Luta a luta Maia incorpora alguma coisa diferente ao seu jogo, mas não evolui, apenas muda. De fantástico e temido no solo, a lutador que faz de tudo para se manter em pé e boxear sem jabs ou precisão. Quem o convenceu a trocar chão perfeito por socos de baixa qualidade, não é apenas um mal mentor, é pessoa com lábia para ter uma seita religiosa. Demian se lança em trocações como se pagasse alguma promessa. O que seria excelente arma para atrair até a emboscada, amaciar o oponente e abatê-lo sem piedade no solo, virou uma lente difusa. Maia que nos mostrou ter perdido o ajuste em posições básicas de jiu-jitsu na luta contra Munoz, agora dá sinais de que nem mais ali que estar, se esmerando para voltar de pé assim que se vê na horizontal. Vive amor platônico pela nobre arte e está sendo incinerado pelo sentimento. Vai ser queimado por essa paixão bandida que já fez tantas vitimas: Minotauro, Couture, Sakuraba, Hughes e outros mestres em misturar, que se encantaram pela separação. Agarraram uma arte e esnobaram as outras. Ingratos. Foi o começo de tantos fins e seu não é diferente. Parece o português que se mudou para a Alemanha, não aprendeu alemão, esqueceu o português e acabou mudo.

Weidman é melhor do que vimos. Sua trocação estava mole e sem ajuste, coisa de que quem vem apenas treinando para manter a forma, sem sintonia fina ou estratégia traçada. Apesar de que ouvir Dórea ordenar Maia, entre rounds, a derrubar o adversário all american, me leva a crer que eles também não tinham nenhuma. Mesmo assim, se arrastando, sem tática e sem preparo físico, foi melhor em todos os rounds. Pareceu estar lutando mal, mas fez demais dentro das condições em que se encontrava. Weidman precisa de uns dois anos para elevar seu potencial a TOP 10 da categoria, e quando chegar lá vai ficar um bom tempo.

Se Demian não mostra mais um jiu-jitsu refinado nem boxe eficaz, em uma coisa ele vem se tornando especialista: fazer lutas chatas. Perdeu metade das últimas seis lutas, e todas foram para a decisão. As últimas terminadas antes do tempo regulamentar foram a finalização de Sonnen e o nocaute pelas mãos de Marquardt, em 2009. Maia tem chances de ser cortado apenas por não ser mais um lutador empolgante dentro ou fora do octagon. Muitos foram por menos que isso. Júnior Assunção foi cortado do UFC sempre indo para frente e com apenas uma derrota nas últimas seis lutas. Tudo pode acontecer, mas gostaria que Dana White esperasse uma luta entre ele e Toquinho aqui no Brasil, para tomar essa decisão. Só não coloque no card principal, porque maluquinho como Toquinho é, e chato como Maia está, a luta pode não ser nada do que estamos esperando.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

ANÁLISE: UFC 142 - Aldo VS Mendes


Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Pode até ser verdade tendo por base leis da natureza, as quais desconheço. Mas em se tratando de MMA e Rio de Janeiro, a vida real parece seguir o ditado a risca. O UFC voltar ao Brasil tão rapidamente e o resultado ser ainda melhor, parecia estimativa que nem os mais otimistas twiteiros teriam coragem de postar. Trovão e impacto ecoaram ainda mais alto que ano passado, num card tão inferior no papel, e tão mais explosivo no octagon. Quase como se o destino tivesse posto o bebê MMA no colo e servido doses de sorte numa colher dourada. Agressividade, beleza, surpresa e catarse desafiaram as leis da física e ocuparam o mesmo espaço dentro do HSBC arena nesse UFC 142. Apresentações estelares de atletas consagrados, o nascimento de um novo astro e o renascimento de um superstar. MMA brilhou intensa e incansavelmente nesse segundo UFC no Rio de Janeiro ofuscando mais uma vez o olhar obtuso do preconceituoso.

José Aldo VS Chad Mendes

Não me importo com o que lutadores acham dos meus textos. Se ficam felizes ou tristes com o que escrevo. Não sou jornalista, se alguma coisa, mais um artista e é em palavras que consigo criar. Eles fazem o que querem e podem e eu escrevo o que acho que vi. Recentemente tenho exposto despudoradamente meu descontentamento com as péssimas performances de José Aldo desde sua entrada no UFC. Lento, arrastado, medroso, agarrado ao cinturão que nem mãe ao condenado. Já estava com a análise quase que pronta na cabeça antes mesmo da luta. Um Chad Mendes veloz, invicto e sem vergonha nenhuma de derrubar e acelerar no gás sobre o campeão para arrancar uma vitória sem alma e por pontos, era meu texto. Só que nunca devemos duvidar do gênio. Será que Nelson Rodrigues questionou Garrincha, Armando Nogueira questionou Pelé, Galvão Bueno questionou Senna? Não faço idéia, mas eu questionei José Aldo e tive minhas preconcepções desmanteladas com uma joelhada a 1 segundo do fim do primeiro round. E o mesmo golpe que derrubou Chad, me colocou de pé, contente por ter cometido equivoco tão grosseiro.

Não estava torcendo por José Aldo. Não torço por lutadores em específico, mas há quase uma fissura de exceção em eventos no Brasil. Precisamos desses resultados positivos. O Brasil precisa demais do MMA, seja como veículo de inclusão social, oportunidades de emprego, investimentos e tantas coisas positivas. Mas ainda é um país quase ingrato que vira a cara para o filho de sangue como se fosse um bastardo indesejado. Agora, depois de dois mega eventos, ainda vira um pouco o rosto e fecha um olho, mas deixa o outro fitando tudo, meio como quem não quer nada. Está sendo seduzido aos poucos, se apaixonando lentamente por aquilo que deveria amar de graça. Anderson, Minotauro, Shogun, seguidos por Aldo, Belfort, Barboza e tantos outros estão ajudando a fazer a diferença. Em evento do UFC no Brasil continuo não torcendo para lutadores em específico, mas torço pela nossa bandeira. Não por patriotismo, por acharmos que somos nós contra o mundo ou nada disso, mas porque é muito importante para a nação o resultado dessas lutas. Chegará um dia em que o esporte será entendido e respeitado independente de nacionalidades. Por aqui, isso ainda não aconteceu, então que Aldo continue lançando o joelho na cara de quem tiver coragem de nos desafiar em nosso território, e é isso aí.

Em suas duas defesas do cinturão do pena no UFC, Aldo estava grande. Deltóides enormes não característicos de seu corpo em dias de luta. Coincidentemente esteve lento. Pederneiras afirmou que a preparação e corte de peso de José Aldo não se dá pela desidratação feroz originalmente usada por wrestlers americanos, e atualmente por grande parte dos lutadores de alto nível abaixo do peso pesado. Declaração que derruba a teoria de que houve em suas lutas anteriores necessidade de grande perda de líquido por opção dos treinadores, e sim mais por conta de algum erro ou problema na preparação. Um resfriado, por exemplo, pode comprometer todo o processo de diminuição de peso, ainda mais quando acontece perto do dia da pesagem, forçando o atleta a descansar e ingerir determinados medicamentos ou alimentos para se manter saudável, o que pode deixá-lo bem acima do peso ideal nas últimas semanas, forçando um corte mais severo. Cortes severos de líquido e peso afetam até os mais preparados, imagine o que não faria com Aldo não acostumado a esse processo. Mas essa é a minha teoria para explicar porque esteve tão maior muscularmente nas duas lutas anteriores e tão mais lento. José entrou leve, magro, com musculatura enxuta nesse UFC 142, como sempre se apresentou no WEC, e foi assim, em sua versão menor que voltou a ser letal.

Quando Aldo esteve mal venceu Hominick e Florian. Achar que deveria ter feito mais do que apenas vencido dois dos melhores do mundo dá a medida de seu talento. Todos caem um dia e o chão é o mesmo para a maioria, então é pelos momentos de grandeza que julgo os incríveis. E Aldo é um dos maiores de todos os tempos mesmo com tanto por fazer. Só vencer é insuficiente para quem pode desmantelar, só colocar vitória no cartel para quem pode escrever página relevante na história, só estar lá não é quase nada para quem pode ser eterno. E Aldo que vinha sendo fagulha, foi labareda. Fez fogueira de um risco do joelho na cara de Mendes, estalo e brilho, e se lançou no meio da multidão incandescente, ardendo no fogo que ele mesmo acendeu. Joana Dark incinerando sem amarras e sem dor. Um ídolo relutante, ruim de câmera, rasgado, mas que fala com os pés, cotovelos e joelho tudo o que realmente precisa ser dito.

Aldo tem cara de qualquer um, de cara comum, mas é especial. É ídolo e mostra na prática que são tantos os caminhos oferecidos, mas a verdadeira estrada que nos leva a algum lugar é criada por nós. Acordando mais cedo, trabalhando mais duro, negando o erro, buscando mérito, sendo fiel a ideais e pessoas relevantes. Aldo é um superstar que estava adormecido e escolheu reascender bem aqui, na nossa cara, quase que de propósito, quase como se tivesse combinado com o acaso. Tão incrível que muitos o querem no peso de cima. Para que? Aldo não faz o peso pena perder a graça, ele lhe confere relevância. Um campeão genuíno e para os que estão incomodados, batam o peso e caiam dentro. Subam ou desçam para o desafiar. Se ele pode mudar de peso, os outros também. Que sejam ousados e caminhem até a montanha, porque ela não precisa sair do lugar.

Chad Mendes é um burocrata do MMA. Uma das crias dos gametas filosóficos de Gerges St.Pierre. Derruba, controla e pronto. Acerta um mata cobra aqui e um estrangulamentozinho acolá, mas é esse pragmatismo sem alma e matemático que o faz tão perigoso. Quantos atletas se perfazem de emocionantes ao se lançarem em trocações desenfreadas, que nem bife se oferecendo ao garfo, até que acabam dormindo, ganham bônus de luta da noite e 5 anos depois estão desempregados? Chad sabe disso. E como quem sabe demais nunca está tranqüilo não dá chance para erro. Treina e executa tal qual máquina batendo pino. Mesmo com essas características não tem como vencer Aldo no auge sem a presença do Improvável da Silva. Cruzados distantes como náufrago acenando da ilha, tentativas de queda tímidas frente aquele joelho, quase como se prevendo o futuro, foi o máximo que o americano ofereceu.

Mendes foi nocauteado sob gritos e frenesi de um público enlouquecido, mas mostrou coração de campeão ao reconhecer com cordialidade a derrota. Coração que, para seu bem, seja suficiente para mantê-lo satisfeito, porque o cinturão mesmo não terá enquanto Aldo habitar a categoria. Continuará relevante e talvez mereça uma revanche ano que vem, já que não há muitos atletas capazes de tolerar sua explosão e força física. Aldo continuará reinando com a grandeza que estiver a fim. Magnânimo ou magnífico, apenas rei ou respeitado, estrela ou superstar. Depende dele muito mais do que de nós.

Vitor Belfort VS Anthony Johnson

Para entendermos o valor moral da vitória de Belfort, apresento um breve dossiê sobre seu adversário. Se Anthony Johnson fosse dentro das 8 grades o lutador que diz ser em coletivas de imprensa e entrevistas, já teria lutado pelo cinturão algumas vezes. E não confundir seu discurso prepotente com as bravatas quase cômicas, por vezes exageradas, de Chael Sonnen. Esse, apesar de falastrão e limitado tecnicamente, realmente sempre entra e faz seu melhor. Aguenta o tranco, apanha e não esmorece, ataca e parte para vencer. Johnson não. Perdeu por finalização para Koscheck depois de ser derrubado a esmo ao longo de longos e cansativos dois rounds. Ao fim da luta chamou o adversário de covarde, ( se covarde é quem nos vence honestamente, isso faz de nós o que? ) e não só afirmou que ninguém teria colhões de aceitar a troca franca com ele, como clamou por um adversário assim. A organização do UFC o colocou contra Dan Hardy, que vinha de nocaute e, apesar das inúmeras limitações técnicas e intelectuais, aceita a troca. Johnson então se pôs a derrubar o inglês, vencendo por pontos um combate onde nem pensou em desferir socos. Ao final, sob vaias, afirmou que não ligava para a insatisfação do público, que o importante era uma vitória no cartel. Contra Belfort aceitou lutar num peso acima do que costumava competir, corte mais fácil do que sempre fez já que descia de mais de 100kg para lutar no meio médio. Mas chegou no dia da pesagem quase 5kg acima do limite alegando complicações médicas. Boatos internos indicam que o atleta tentou se aproveitar do fato de não haver comissão atlética no Brasil. Assim seu excesso de peso poderia ser compensado apenas em desconto na bolsa, tendo grande vantagem contra o adversário no dia seguinte. Em estados com comissões, o peso excedente tem que ser perdido em algumas horas ou a luta é cancelada. O UFC, apesar de oficialmente não se manifestar nessa direção, viu como ato de mal caratismo e antiprofissionalismo de Johnson. Belfort, sempre profissional e também muito homem, aceitou e fez como grandes atletas fazem. Reclamam pouco e lutam mais. Coisa que Anthony não vai entender jamais. Após a derrota nesse UFC 142, Jhonson ainda disse que nenhum dos golpes do brasileiro o feriu, que não se sentiu pressionado e apenas cansou, por isso perdeu. Atleta que desmerece o adversário, vencendo ou perdendo, não tem valor e não irá longe. Aprendi isso quando ainda era faixa branca de karatê.

Belfort quando está bem treinado, com o maxilar trincado, afim, é um dos melhores que já existiu. Talvez o único lutador com reais chances de vencer, sem precisar contar com a sorte, Anderson Silva em pé. Disciplinado, moderno, entendeu que o limite da qualidade do atleta é dado pela qualidade daqueles com quem treina, com quem aprende. Tantos ainda atrelados a companheiros de longa data que não tem mais o que ensinar e Belfort importando treinadores. De acordo com ele, gastou com três dos melhores do mundo pouco mais de $100,000 em três meses. St.Pierre vem ao Brasil treinar jiu-jitsu com Roger Gracie, Jose Aldo já treinou boxe com Freddie Roach e muay thai com Andy Souwer. Mas independente da qualidade de quem ensina está a capacidade de quem aprende, e Vitor não ganhou precocemente o apelido de fenômeno a toa. Em meses de treinamento de karatê já incorporou movimentação lateral, entradas e distâncias em seu jogo. Ninguém aprende tanto em tão pouco tempo como ele. Um atleta em constante evolução técnica que tinha em seu coração, o grande ponto fraco. Em todas as lutas em que sofreu pressão, foi ferido, acabou perdendo de modo melancólico. E para a instabilidade emocional de todo no peso médio, isso não parece mais ser problema. Foi jogado de cara no chão, levou um direto de cima pra baixo de um lutador com real poder de nocaute, teve o olho esquerdo completamente fechado em segundos, agüentou, virou a luta e venceu.

Tem golpes que para agüentar é preciso mais do que queixo, é preciso uma partícula microscópica e tão poderosa, virtude perdida hoje em dia para maioria das pessoas independente de profissão, chamada vontade. Em MMA costumeiramente chamamos de raça, mesmo. Belfort sempre teve pedigree, mas pouca raça. Era o link que faltava e não falta mais, a corrente está completa, o motor pode acelerar a máxima potência e vamos poder vê-lo em seu auge apenas agora. Pela primeira vez o melhor de um dos melhores aflorou, plantado faz tanto tempo, germinou aqui no Brasil, no solo mais fértil. Agora parece que a criatura está pronta, a metamorfose completa. Um atleta assombroso, veloz, tenaz, destrutivo, genial e com o coração inflado. Wanderlei pediu tanto por essa revanche, mas não tem a menor chance. Belfort sabe, os fãs sabem, mas fingem que não para ter graça, a imprensa sabe, mas diz que não para não criar antipatia e, principalmente, Wanderlei sabe. Sua performance no UFC 142 foi discurso feito de hematomas e lágrimas sobre superação, sobre continuidade, perseverança. Ricos ou pobres, com mais ou menos chances, todos terão oportunidades de sair do rumo, de abrir mão dos sonhos, de fraquejar, de desistir. Sempre que vejo alguém bem sucedido tento não pensar no que ele teve que eu não, e sim onde ele perseverou e eu falhei. Belfort saiu desse UFC 142 com apenas um lutador no peso genuinamente mais perigoso que ele, Anderson Silva, o maior lutador de todos os tempos. Essa revanche vai acontecer, todas as outras lutas serão apenas um prelúdio para o combate do século.

Toquinho VS Mike Massenzio

Toquinho é um personagem intrigante. Não parece que muitos pensamentos transitam pela sua cabeça nem parece ser o mais veloz em raciocínio, mas sua qualidade na luta de chão é espetacular. Quase um autista que toca Beethoven. Transições de solo tão criativas e precisas que são quase uma forma de arte e seu carisma faz qualquer vitória parecer grande triunfo. Quem conhece sua história sabe que ele merece coisas boas nessa vida, e que tire tudo o que puder do MMA. Alguém que passou por tantas dificuldades na infância quanto ele, não se deixar embriagar pelo alcoólico mel que só a fama produz, fazer trabalhos comunitários, treinar todos os dias, respeitar seus mestres e sua família. Toquinho é único. Quando está no octagon vejo mais do que um atleta, vejo um exemplo. Suas vitórias são sempre contundentes e por mais que essa no UFC 142 tenha sido estratégica para a sua carreira e MMA no país, foi sobre um adversário medíocre que não tinha muito a oferecer.

Massenzio tinha perdido 4 lutas em suas últimas 7 antes dessa no Rio. Atleta irregular, com muitos médios e baixos, sem nenhum alto. Entrou assustado com a torcida, com o adversário, não dá para precisar. Talvez impressionado pelo histórico recente do brasileiro não afrouxar as chaves de pé quando encaixa, bateu um micro segundo depois de ter sua perna enlaçada pelo adversário. Se é para que tire alguma coisa de positiva dessa sua participação medíocre, não voltou mancando para casa.

Toquinho é pequerrucho e se enrosca pelos tornozelos que nem erva daninha. Tentar nocauteá-lo é como martelar um prego que já está afundado na madeira. E se ele cair vai ficar perto do pé e as coisas só pioram. Ele quando pega arrocha mesmo, vai para quebrar. Não faço julgamento de valor. Mais do que querer, precisa ganhar. Vai com sede demais ao pote e acaba estilhaçando alguns. Pega para arrancar, é dele. Num Japão feudal toquinho levaria literalmente pernas para casa, penduraria na parede e viveria satisfeito num latifúndio cheio de valentes mancos. Seu olhar é fundo demais, de quem viu mais do que deveria ter visto nessa vida. Enterrado no meio da cara estão os olhos de quem olha as coisas diferente dos outros. Não sei se é maldoso ou apenas bobo. Às vezes acho que é um, às vezes outro. O que realmente posso afirmar é que uma luta dele contra Maia já está na lista das coisas que quero assistir antes do fim da vida.

Edson Barboza VS Terry Etim

Etim é lutador esforçado mais do que habilidoso. Aceita a troca muito mais por vaidade e compromisso com ataque, do que tática ou chance real de superar seu adversário. Barboza é um dos mais perigosos lutadores de muay thai no MMA. Isso não tinha como dar em boa coisa para o inglês, mas a luta estava amarrada e sem emoção. Edson vinha vencendo mornamente por pontos e se dava por satisfeito. Terry, que já havia levado alguns bons golpes, parecia contende em ainda estar de pá. E estavam os dois nessa paz armada até que o espírito de moleque, quase um erê, se apoderou de Barboza. Resolveu, 1 segundo antes do nada cunhar uma coisa revolucionária, fazer como fazia quando criança. Dar um daqueles golpes que via em filme, mas nunca daria certo na vida real. E quase brincando, quase que por zoação, fez demais. Girou com a precisão de quem tem olho no pé, estourou o calcanhar na têmpora do homem que caiu boneco, repôs a perna na posição e fechou a guarda, numa reverência a perfeição do que havia criado, como Mohamed Ali não tocou Foreman em seu caminho para a lona. Paciência do criador com sua criatura.

Um momento pode fazer a luta ser boa? Ou uma luta boa são minutos seguidos de emoção mesmo que falte um grande momento? Independente da resposta Edson Barboza acelerou o MMA em 10 anos num movimento. Fez pelo MMA o que Pettis fez anos atrás. Num esporte ainda tão indecifrável para alguns, onde tantas explicações se fazem necessárias, um golpe, um momento, segundos que mostram mais do que tudo e cabem em qualquer noticiário, qualquer cérebro, formato, valem por trilhões de mensagens de texto, milhões em propaganda, horas e horas de entrevistas, escritórios do UFC num país. Um chute giratório que tombou junto com Etim restrições que alguns sites de esporte tinham em cobrir MMA. Se tornou assunto obrigatório para quem assiste TV. Algo que precisa ser visto, compartilhado. Num mundo cosmopolita onde imagem é tudo, empresas gastam cifras astronômicas para estampar o rosto de alguma personalidade, filmar algum momento emocionante, criar propaganda que fixe uma marca, um conceito, Barboza presenteou o esporte com seu nocaute. Violência e beleza poucas vezes caminharam tão juntas. Tão inegável a brutalidade do impacto, o perigo para o adversário, quando o fantástico do ato. Tão bom, tão fora do que é comum, tão importante para fazer nosso dia a dia mais divertido, que quase força a quem vê virar fã. Quase não dá opção para quem assiste senão querer ver mais.

Etim vai continuar por aí, e fora os fãs mais aficcionados, a maioria não saberá de seu paradeiro. Barboza vai trilar um caminho mais brilhante. Guillard ou Siver já lhe garantiriam cheque de luta da noite.

Erick Silva VS Carlo Prater

Não tenho memória de nenhum lutador que tenha evoluído tanto entre suas lutas em eventos menores para sua estréia no UFC como Erick Silva. De bom e promissor lutador para fantástico em dois combates. Entrou e venceu Carlo Prater em segundos. Se alguns atletas estão sintonizados em FM ou AM, Erick zoa o sinal em rádio pirata. Simplesmente está numa freqüência diferente dos que vem enfrentando. Independente do que o juiz Mario Yamazaki ou os cartéis por aí contarem, Erick venceu essa luta. E se os fatos apontarem para o contrário, azar dos fatos.

Carlo Prater está nessa carreira faz um bom tempo e ninguém sabe porque é um mediano. Entrou, fez o que pode, deu uma de coitado alegando ter sido duramente alvejado na cabeça e levou uma vitória técnica pra casa. Que se dê por satisfeito porque não virão muitas outras e vai poder contar para seus netos que um dia venceu um dos grandes. Só não vai poder mostrar o vídeo da luta.

Não acho que tenha que haver leniência com atletas brasileiros ou famosos, acho que tem que haver justiça. Se Belfort pode acertar diretos na nuca de Franklyn e Akiyama, Guillard na nuca de Miller, Dan Henderson na nuca de Fedor, por que Erick foi punido por um cascudo? Ou pode, ou não pode. Ou qualquer golpe na área, automaticamente para a luta, ou tem que ser usado do bom senso. E o bom senso deveria ter feito o experiente Yamasaki nem ter tomado essa decisão. Numa saraivada de milhares de socos, onde o adversário já tinha entregue a vitória, interromper o momento e perguntar para o atingido se ele está em condições de continuar é um erro amador. O mesmo Yamasaki que no primeiro UFC Rio deixou Banha levar diretos no rosto até quase ter perda irreversível de células nervosas. Lastimável. Não é sempre que surge uma estrela assim, dessa maneira, diante de sua nação. Yamazaki surrupiou fã, país e lutador desse prazer genuíno.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

ANÁLISE: UFC 141 - Overeem VS Lesnar


Uma frase famosa no meio publicitário tem como verdade que “menos é mais”. Alusão a retirada de excessos desnecessários que desviam a atenção do que realmente presta em uma campanha ou peça. Fosse editado por Washington Olivetto ou qualquer competente Diretor de Criação, esse UFC 141 teria pouco mais de 10 minutos e mesmo assim não seria dos mais emocionantes. Lutas chatas, sem alma com atletas cheios de panetone, bolinho de bacalhau na barriga e com a cabeça no champanhe e fogos de artifício da virada de ano. O card preliminar que costumeiramente traz lutas explosivas aditivadas por sonhos e oportunidades acabou sendo um demonstrativo não de talento, mas de porque nenhum deles merecia mesmo nem estar no fraco card principal. 2011 teve um fim ingrato nas mãos desses atletas que fecharam o melhor ano do MMA com chave de bronze, alterando bastante as minhas previsões para 2012.

Alistair Overeem VS Brock Lesnar

Nem todo homem grande é um grande homem, e apesar de não querer me ater a filosofia para descrever essa luta que de profunda nada teve, é irônico perceber que nem os quase 300kg somados dos dois lutadores não foram suficientes para conferir grandiosidade ou impacto ao combate. A lona vibrou e as madeiras de sustentação rangeram sob os pés dos dois, na pratica, na vida real, mas reino da imaginação, da fantasia, onde lutas se tornam épicos eternos e meros atletas, imortais, nem uma poeirinha sequer foi levantada.

Brock Lesnar não é lutador. É atleta de alto nível, grande campeão de wrestling amador, uma mega estrela do WWE, evento de lutas armadas com coreografias e teatrinho, e um ser humano naturalmente maior do que quase todos que já surgiram nesse planeta desde o primeiro cro-magnon. Numa terra sem leis e sem armas de fogo, Lesnar dominaria o mundo inteiro com uma marreta na mão. Mas no mundo em que vivemos, a grande prova de supremacia física se dá dentro do octagon, e lá ele encontrou alguém do tamanho dele que, simplesmente, sabia alguma arte marcial. Quando a força física se equivale, o mais técnico leva vantagem. Força e peso que Lesnar tinha maior que quase todos os seus adversários até o momento, uma borda de vantagem bruta que lhe conferiu mais vitórias que derrotas. Mas contra Overeem o resultado já parecia decidido, a não ser que o destino resolvesse nos pregar uma peça.

Verdade que Brock é mais do que apenas um grandalhão. Mais veloz do que a maioria dos lutadores do meio pesado, arrasta seus quase 130Kg no dia da luta como pai que corre pelo parque com o filho de 2 anos nas costas. É fisicamente um prodígio. Carismático, excelente domínio de câmera, agressivo. Um lutador que se quisesse realmente seguir carreira em MMA se manteria no TOP 10 por muitos anos já que não é considerável a quantidade de adversários que podem vencê-lo atualmente. Mas Lesnar não quer ser atleta de MMA. Quer ser campeão. È como um bebê gigante que só quer determinada coisa, nada mais o sacia, nada mais o entretém. Cai no chão e faz bico. Lesnar, um adulto, ao invés de fazer bico anunciou sua aposentadoria mesmo com uma luta ainda por cumprir no contrato quando percebeu que não dava mais para brincar de ser campeão do UFC.

Brock Lesnar foi muito importante para o esporte mesmo em sua atrofiada carreira. Atraiu para o MMA milhões de novos espectadores que costumavam esnobar essa forma de competição. Milhares de jovens e crianças magnetizadas pela sua persona gigantesca, bem maior que seu tamanho, começaram a acompanhar eventos por acharem estar presenciando as performances de um super humano, de uma criatura ou coisa do gênero. Seu rosto e cabelo totalmente american way estamparam capas, jornais e TV nos EUA como nenhum outro atleta. Atraiu atenção de mídias que sequer cobriam MMA com sua comovente superação quase milagrosa de um caso de diverticulite. Foi muito relevante por pouco tempo, brilhou demais por segundos, foi fora do octagon o gigante que nunca conseguiu ser dentro. MMA ainda está tombando muros de tijolos tão velhos e pesados, atracados uns aos outros com a argamassa tão forte da ignorância. Lesnar atirou no peixe e acertou no gato, entrou nessa por vaidade, pensando só nele, e fez bem a todos nós. Sem querer, mas fez.

Previamente ao UFC 141 prometeu a família ser essa sua última luta caso perdesse. Independente de como o fã analisa o Brcok Lesnar personagem, ele é um pai, marido e filho. Uma pessoa normal que superou, duas vezes, uma doença que costuma incapacitar seus afligidos. Uma família sofre e chora junto, se aproxima. Em momentos assim nos despimos de fardas e medalhas, somos frágeis e finitos. Competir por ego, se colocar em risco por vaidade depois de meses e mais meses de lamurio e hospitais, se torna enfadonho. Chega uma hora que o homem quer parar, horas diferentes para cada um de nós, e ele foi enfrentar um dos mais letais competidores de MMA do mundo pensando em não se lesionar e não dar maiores preocupações para seus entes queridos. E com um chute na costela que poderia ter rompido seu baço e vários pontos internos, não conseguiu nem um nem outro e ainda acabou caído no chão, derrotado e inferior.

Uma mentira contada 1000 vezes pode virar verdade para quem não se dá ao trabalho de pesquisar no Google. A afirmação de que Overeem nunca perdeu uma luta depois de se tornar pesado é um factóide. Sua primeira luta acima de 100Kg foi uma derrota para Kharitonov, em 2007, no K1-Hero’s. A verdade é que nunca perdeu uma luta depois de ter se tornado gigante. Uma quase besta fera hipertrofiada e tensa que desafia o bom senso, ciência e comissões antidopagem a provarem seu uso de esteróides. E como numa sociedade ordeira as leis e regras ditam o que está certo e é normal, até que algum traço de hormônio irregular seja rastreado em seu organismo, podemos afirmar que Carina Damm e Royce Gracie, já pegos no antidoping, são mais bombados que Alistar Overeem.

Overeem é um dos atletas mais condecorados, carismáticos e talentosos da atualidade. Campeão do K1, já tendo nocauteado, para muitos, o maior trocador do planeta, Badr Hari. Acumulava até esse UFC onze vitórias seguidas, onde apenas uma não acabou por nocaute ou finalização. Simplesmente os adversários não agüentam entrar em atrito com Overeem muito tempo e continuarem acordados. Pesado demais, com alcance enorme, qualidade de trocação estelar, poder de nocaute e uma guilhotina que já teria decapitado muitos fosse uma luta sem regras na França medieval. Alistar só tem dois pontos fracos. Sua defesa de queda limitada, mas com um joelho enorme no meio do caminho que desmotiva a maioria a tentar esse atalho. E uma falta de vontade de agüentar porrada antológica. Estava vencendo as lutas contra Chuck Liddell e Shogun, dentre tantas outras, quando resolveu perder assim que levou o primeiro direto mal intencionado na cara. É um lutador sem raça. Mestre em opressão, mas se for espremido solta suco que nem laranja. Mas são poucos os indivíduos caminhando nessa terra que tem como pressioná-lo ou colocá-lo em algum risco real.

Overeem entrou no UFC como quem finalmente chega aonde sempre sonhou, com olhos brilhando de contentamento, com muita vontade de fazer alguma coisa e foi contagiante. Não pelo decorrer da luta, mas por mostrar um lampejo do competidor que sempre pode ser e parecia não estar interessado. Esse Overeem, afim, tenaz, treinado, fechado, com os reflexos na ponta do nervo, é lutador para se sagrar campeão e segurar o cinturão enquanto ainda estiver interessado em contrair o músculo.

Lesnar e Overeem fecharam o ano numa luta previsível. Brock só poderia vencer se derrubasse, e rateou, escamoteou, mal tentou e desistiu, não leu e disse que não gostou. Overeem sentiu cheiro de sangue, aquele odor de medo que só os cachorros farejam e atacou. Meteu a tartaruga pra dentro do casco sem dificuldade. Assustou a criança para só dar um tapa no bumbum. Poderia ter desmantelado Lesnar e apenas fez o necessário. Mostrou o tamanho de sua sombra imponente e assustadora para todo os pesados. Alistar contra Cigano vai ser uma luta fantástica e digna. Prevejo que o vencedor irá se manter no topo, inabalável, durante vários anos. E Brock, apesar de ter anunciado a aposentadoria precocemente deve ser convencido a realizar a última luta que ainda reza seu contrato, sob a promessa de disputar o cinturão em caso de vitória. Mimado. Só lutas que lhe credenciem ao título interessam e prevejo um combate contra Minotauro, aqui no Brasil como co-main event para Anderson VS Sonnen, que o aposentará de vez com uma chave de braço.

Nate Diaz VS Donald Cerrone

Não costumo questionar os méritos do vencedor. Quantas vezes um atleta menos talentoso se supera e tem uma carreira mais vitoriosa que tantos virtuosos por injetar em suas performances vibração, esforço e outras coisas que compõe um real grande lutador. Mas o desmantelamento de Donald Cerrone, mesmo assistido em câmera lenta, é difícil de explicar. Diaz é muito pior que Cerrone em pé, tem menos queixo, mais lento, cabeça maior e fácil de atingir, tem os pés estáticos, péssima esquiva e mãos sem peso. Dizer que um treinou mais do que o outro é querer simplificar o logaritmo. Alguma coisa aconteceu nesse UFC 141 que ninguém parece realmente entender. Teorias são muitas e abstratas. O fato é que um lutador inferior, de carreira instável e num dos piores momentos de sua carreira venceu, com exuberância e quase displicência, um dos melhores do mundo em sua fase mais inspirada.

Para os ansiosos que adoram descobrir novos gênios depois de uma vitória e decretar fins de carreira após uma derrota, a vitória de Diaz foi tinta suficiente para imprimi-lo em figurinha dourada, carimbada e assinada de homem que realmente pode vencer Edgar. Diaz é talentoso e ponto. Nada mais, mas tantas coisas a menos. Extremamente instável, despreparado em diversos momentos, resistente a táticas ou estratégias, só luta de uma maneira. Sempre. Fica em pé e troca. Simples. O que vier além disso é por conta de derrubar com socos o adversário ou ser derrubado. Não faz nenhuma menção de qualquer outra abordagem. Vinha de uma vitória sobre o melancólico e sem fogo Gomi e de duas derrotas. Uma delas, para McDonald, esse sim um real contender apesar de ainda tão novo, onde foi manipulado, esticado e amassado tipo massa de macarrão. Tirado por um pedaço de bife sem vida, batido no chão, dominado em pé e em qualquer lugar. Saiu do octagon humilhado, pela sua língua presa nenhuma provocação ou prepotência podia ser ouvida. Até essa luta eram 5 derrotas e 4 vitórias nas últimas 9. Cartel de lutador de card preliminar na Escócia.

Sua vitória contra Cerrone foi completa, suprema, mas o que seu adversário apresentou, independente de sua enorme qualidade, foi tão medíocre, que presenciamos o espancamento de um leigo. E Cerrone apanhou com chantilly, como um masoquista gosta de apanhar, no melhor estilo Roy Nelson. Apanhava e ria de nervoso. Diaz venceu, seria canalha de minha parte dizer que não convenceu, mas algo me diz que em uma revanche sairia nocauteado no primeiro round.

São tantas as opiniões sobre o que pode ter ocorrido com Cerrone. O próprio mencionou uma cabeçada involuntária logo no começo da luta que abriu seu lábio e teria prejudicado a performance. Sua própria teoria foi tão inverossímil que a retirou segundos depois e se desculpou. Tenho uma questão essencial com relação a pedidos de desculpa. Quando fazemos mal a alguém, sem intenção, um pedido se faz de bom tom. Quando fazemos mal a nós mesmos, a desculpa parece uma tentativa de dividir culpa. Cerrone deve desculpas a ele pelo ridículo, a nós, não deve nada. Até porque ver Diaz espancá-lo depois de desrespeitá-lo jogando seu chapéu longe na pesagem, isso é mortal para um cowboy, e ainda fazer gestos obscenos no começo do último round, foi impagável. Momentos viscerais que o MMA profissional demais não permite.

Cerrone é fantástico, Diaz não. Um é dos melhores do mundo, o outro vive mudando de peso para fingir ser relevante. Um começa o ano derrotado, o outro vencedor. MMA é isso. Sempre em movimento. Cerrone fraquejou em seus momentos mais decisivos. Nas lutas que envolviam cinturão contra Ben Henderson e nessa que o colocaria em chance de uma nova disputa. Donald não se leva a sério, e não estou falando do amigo do Mickey. Leva treino a sério, preparação, dieta e tudo mais. Mas não leva a luta a sério. O momento que faz tudo parecer relevante ou fulgaz. O ponto de exclamação ou reticências. Sempre comete erros infantis em lutas realmente decisivas. Entrou cheio de ódio, Diaz bagunçou sua gaveta de disquetes, e tomado por sensações menores e desprezíveis um homem tem dificuldade de ser grandioso. Cerrone foi uma versão minúscula dele mesmo, querendo se vingar mais do que vencer, bater mais do que boxear. Perdeu com justiça uma luta que poderia ter vencido facilmente.

Prevejo Cerrone voltando a sua corriqueira seqüência de vitórias e domínio sobre todos os adversários até que uma luta por título ou próxima se apresente, aí irá perder mais uma vez. E Nate Diaz não terá a mesma sorte contra outros adversários talentosos no peso. Siver e Miller estão em seu caminho e daqui a um ano poucos se lembrarão de que um dia venceu Cerrone, como poucos se lembram que já venceu Melvin Guillard ou até Maynard no TUF. Cerrone continuará relevante, mesmo eventualmente perdendo para inferiores, e Diaz irrelevante, mesmo eventualmente ganhado dos grandes.

Alexander Gustafsson Diaz VS Vladimir Matyushenko

É normal o casamento de luta entre um veterano em fim de carreira e um jovem em ascensão para a vitória fácil parecer relevante por conta do peso que o derrotado traz no nome. Mas colocar Matyushenko contra o mestre em espancamentos Gustafsson é pedir para os paramédicos trabalharem. Alexander deu uns socos e a luta acabou quando o primeiro atingiu o assustado Vladimir.

Gustafsson é enorme e nervoso. Parece moleque com a primeira namorada. Quer resolver logo porque o amanhã ela pode ter mudado de idéia. E parte pra cima, com socos compridos, retos, aríetes para derrubar portão. Esconde sua ansiedade de garoto, incerteza e insegurança atrás de seus punhos de granito. Vai derrubar muita gente enquanto o UFC tiver carinho de colocá-lo contra irresponsáveis que não se importem em ter os ossos da cara espatifados, e Matyushenko vai seguir apanhando de jovens estrelas e vencendo um ou outro mediano, nessa batalha inglória que o UFC inventou de popularizar o MMA na Bielorússia.

Johny Hendricks Diaz VS Jon Fitch

Hendricks entrou, deu um soco e acabou. No primeiro momento realmente relevante de sua carreira vence uma luta, sem luta. Deve pedir para Bruce Buffer o anunciar como Johny “Lucky” Kendricks, dar muitos autógrafos e vender logo os direitos de uma biografia, porque se a direção do UFC quiser colocá-lo contra outros atletas do nível de Fitch, sua carreira pode tomar uma precoce guinada pra baixo e acabar despontando para o anonimato. Para Fitch, nada muda. Foi um acaso, uma picardia do destino que estava azedo nesse fim de ano. Muda é para nós, que por um tempo não vamos ter que ouvi-lo resmungando que é o melhor do mundo e como é injusto não disputar o cinturão contra GSP.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

CRÔNICA 15 - SÓ NA MÃOZADA (publicada na Revista Tatame 190)


E continua de pé, pavimentando a estrada que trilha com os corpos que derruba. Amassados, rasurados, moídos ou destroçados, é tudo matéria prima para o caminho que quer seguir. Pedaços de orgulho partido escondidos por entre os ladrilhos sujam os pés que as lágrimas dos derrotados vão enxaguar. Com o olhar reto e fundo de quem fita o horizonte através da carne do adversário, segue retilíneo e cortês. Cruel como só os justos podem ser, atropela e trampa na porrada, sem ódio ou rancor, só violência pura e precisa. Nem um soco a mais, é o que é, e que saiam da frente porque Cigano vai passar.

O mais imperfeito dos campeões. Wrestling apenas razoável, jiu-jítsu limitado, mas com o mais eficaz boxe do peso pesado. Não apenas pelo refinamento da arte, que é preciso, ou pela coragem de se lançar em qualquer brecha que o adversário deixe com tanta vontade de acertar que nem considera poder errar. E se não houver brecha, vai fazer uma rachar. Mais do que anos de boxe, luvas, sombra, corda, sparing, suor, contusões, uppers, diretos, cruzados. Cigano é especialista na arte milenar de meter a mão na cara, largar o braço, deitar na mãozada. A técnica curva o tronco e baixa a cabeça para a voracidade passar. Quando soca, há mais do que precisão e má intenção, há toda sua família, país, ideais, horas de treino, vontade, gana, ambição, sofrimento, memória, canalizados na ponta de um punho. Uma marreta da Sexta Feira 13 que estilhaça o que acerta, golpe que sempre subtrai. Ar, coragem, ímpeto, sangue, dentes. Golpe a golpe o outro vai tendo coisas a menos e Cigano sempre querendo mais. Até que cai. E todos caem. E os que não caíram talvez tenham desejado ter sucumbido antes de tomarem a maior sova de suas vidas e voltarem para casa mais humildes e disformes.

O atual campeão do peso pesado do UFC ainda é tão jovem e poderoso. Com o que será pavimentada a estrada que ainda tem pela frente, só o tempo dirá. Tantos são os campeões que acabam tropeçando no próprio ego, acreditando em todos esses elogios que caras como eu vão fazer. Pra mim e tantos, é fácil. Somos profetas do passado. Escrevemos das glórias como se fossem nossas, sem debruçar uma gota de suor sobre o teclado. Que Cigano continue simples, afeito as coisas práticas da vida, esquivando das bajulações que só corrompem. Que a mídia não lhe capture a alma, que os empresários não suguem todo seu sangue. Porque é um campeão genuíno. Sem falsa modéstia, sem ameaças premeditadas, sem frase de efeito, sem reverenciar quem despreza. Um homem realmente pacífico, a prova mais tocante de que a brutalidade do MMA é esportiva, que apenas luta pelo que ama como se não tivesse nada a perder. Com o ímpeto de quem quer alguma coisa demais, e a leveza de quem não quer nada mais.

Enquanto a genialidade de alguns é indecifrável, com movimentos incríveis e poéticos, enquanto Anderson Silva luta em aramaico, Cigano luta em inglês com tradução simultânea. Simplifica a equação, atrofia o MMA de volta a semente, em sua forma mais digerível, traduz a mistura de artes num nocaute. Faz o esporte parecer simples, faz da enciclopédia, b a bá. Atrai mais do que ensina. É a interface que os 22 milhões de espectadores pela Rede Globo precisavam. Cigano vai levar milhares de novos fãs pela mão.

Junior Cigano é um campeão do povo. Tão aparentemente comum que faz todos acharmos que se fossemos um pouco mais altos, ou velozes, ou pesados, ou fortes, ou tivéssemos feito MMA ao invés de psicologia, teríamos sido como ele. Quase que achamos que não fomos campeões do UFC por um triz. Faz o que é ilusão parecer real. Humaniza o impossível. Um ídolo alcançável, de carne e osso. Imperfeito, feio, bobão quando está feliz. Basicamente como quase todos nós.

Na circunferência do cinturão de campeão de Cigano cabem todos, o lutador no espelho. Do primeiro ao último segundo, em pé ou no chão, de direita ou canhota, prova que é um homem de palavra, íntegro, macho, buscando o que diz tanto querer, na nossa frente, sem vergonha, sem medo de não ter. Deixa as desculpas no vestiário, os passos pra trás para outros lutadores, esquivas, gritinhos, não são seu estilo. Se despe das bajulações, dos tapas nas costas, dessas porcarias que não servem pra nada, e calça as luvas pesadíssimas de tão cheias de sonho, veste nossa carapuça, entra em alto frenesi porque tem tão pouco tempo, a vida tão curta, se é para perder que seja sem arrependimentos. E parte violento, sinistro e puro. De peito aberto, com a cara e punhos fechados. E em cada golpe um estrondo, um microverso nascendo, uma supernova explodindo pra sempre, fagulhas fantásticas ardendo nossa retina.

É um atleta que o planeta admira, mas o ídolo que o Brasil tanto precisa. Sangue vai ser derramado, a contagem de corpos vai continuar, a pilha vai aumentar. Cigano veio para construir de tanto destruir. Num mundo cínico onde tudo é grana, ele luta com paixão, vence e transborda. Se a lágrima dos derrotados enxágua seus pés, as suas limpam a nossa alma.