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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

ANÁLISE: UFC 134 - Anderson VS Okami


Se cortarmos o Banha só sobra filet mignon nesse UFC Rio. Tudo deu certo, quase como se os lutadores tivessem combinado antes com o destino. Minotauro apanhou, bambeou, assustou, mas acabou vencendo, Shogun foi pra cima de modo quase displicente, visceral, desmantelando o adversário e Anderson fez o impossível mais uma vez, expondo com precisão para a mídia brasileira o que sempre esperamos deles e porque amamos esse esporte, num show de gala frente a mais comovente platéia do MMA mundial. Emocionante e incompreensível para Milton Neves.

Nosso MMA está de volta, crescido, adulto, e nós o abraçamos como pai que acompanhava o filho de longe faz tantos anos, com tanta saudade. Nesse UFC 134 foi provado e transmitido finalmente pela TV aberta a verdade de que bem maior do que o esporte, mais incrível ainda do que os atletas, é como isso faz bem. No HSBC arena pulsou o coração gigante, feliz, milhares artérias bombearam energia que contagiou competidores e fez cafuné num país tão carente de eventos positivos e ídolos. Nosso coração foi ouvido uma vez e as veias da mídia já se expandiram, o fluxo aumentou, o batimento acelerou. Isso é MMA.

Minotauro VS Brendan Schaub

Razão é a coroa mais pesada que um homem pode carregar, mas vez em quando colocá-la de lado é a única maneira de enxergar com clareza. Minotauro não venceu Schaub se expondo demais, com esquiva ainda lenta, continuando por optar em ser boxer mais do que um mago na luta de solo, nem o lance derradeiro que colocou o adversário na lona foi idêntico ao lance que terminou bem diferente na sua luta contra Velasquez, muito menos empunhou as cores do Internacional quando todos ali eram Brasil. Nada disso aconteceu pra quem olhou da maneira correta esse momento que só pode ser observado em sua plenitude pelo coração. O que eu vi foi uma catarse, o quadragésimo nascimento de um ícone nacional, amarrotado, sangrando, colocando toda a carreira a mercê do acaso, dos detratores, do corpo pós lesão, só para lutar aqui, para nós. Em seu labirinto que todos já conhecemos de cor forjou uma vitória aflita, um berro ao pé do ouvido de um país que parecia não lhe dar atenção. Minotauro entrou ídolo do MMA e saiu ícone nacional.

Dentro do octagon não havia dois lutadores, não era apenas Schaub contra Minotauro, era um capítulo contra um épico, uma fagulha contra a eternidade, um menino contra um homem. E Minotauro levou socos diretos e não caiu. Brendan que não sabe apanhar, mas é excelente em bater, largou o braço e acertou bem, mas não derrubou. E ninguém derrubaria Minotauro naquela noite. E ele ia aturar cada impacto, engolir cada gota de sangue, apertar o protetor, nadar os olhos dentro da visão embaçada, ir pra frente e só parar quando vencesse. Porque é assim que fazem as lendas, aquelas de outra época já tão distante que parece outra dimensão. Os dois já estavam com a bolsa depositada no banco, mas só um lutava por algo mais, por paixão. E qualquer um que está nesse esporte apenas por grana vai cair frente aquele que luta com o coração e os colhões.

Schaub é um ex jogador de futebol americano que entrou nessa de MMA porque está na moda, porque paga bem, porque dá status. Minotauro só ainda está porque, como nós, ama demais tudo isso. E não achem que deveria ter sido essa a sua última luta para fechar a carreira com chave de ouro, porque atletas como ele, Fedor, Sakuraba, Liddell são pra sempre. Vitórias ou derrotas já se confundem no eterno. Há fãs limitados pelo resultado de uma luta, mas nenhuma luta limita uma lenda.

No UFC Rio Minotauro retornou a Creta.

Maurício Shogun VS Forrest Griffin

Quando olho para os grandes momentos de Shogun no Pride ou Meca, e comparo com o atleta que se tornou no UFC percebo que uma coisa sempre estava faltando. Uma característica que o fazia um dos atletas mais perigosos do planeta: selvageria. Shogun tirava ordem do caos. Lançava seus adversários num roda moinho, roda pião em alto frenesi de onde poucos saíram ilesos. Era quase displicente no uso de suas técnicas de trocação e solo afiadas. Para o observador menos atento Shogun era um brigador , quando na verdade estava mais para gênio louco.

Esse ímpeto foi contido quando iluminado pelos holofotes mais brilhantes do UFC. Desde sua derrota para Griffin até em seu melhor momento, nocauteando o invicto Lyoto, Maurício parecia ter perdido aquela voracidade de antes. Menos carvão, mais diamante. Havia sido promovida toda uma revolução em seu treinamento e aplicação tática. O caos deu lugar à ordem. Instinto à razão. Um atleta com fúria e violência contidos e distribuídos apenas na medida exata que vinha fazendo tudo certinho, até que Jon Jones apareceu e rasgou o bloquinho de notas. Tombou frente a um lutador caótico e eficaz, um aglomerado de táticas refinadas revestidas por um ímpeto vencedor e criativo. Um atleta que entrou pra lutar do modo mais agressivo e contundente que pudesse desde o primeiro segundo. Exatamente como o brasileiro costumava fazer. Uma derrota devastadora que poderia transformá-lo em pó, acabou por assoprar o pó de cima do velho Shogun, que estava encostado em algum canto na prateleira.

Um Maurício Shogun Rua limpo, sem incertezas, na vanguarda por aceitar que nem sempre revolução é uma evolução, de volta as raíz, à semente, eviscerou em segundos um dos lutadores mais resistentes do MMA. Fez o que faz de melhor, desligou os sentidos, acordou a roda viva, confiou no peso da mão, na precisão dos golpes, no queixo sem pudores, no coração, se lançou para dentro de Forrest e o partiu ao meio. Esse novo Shogun que teve que mudar para voltar a ser ele mesmo, é um dos lutadores mais perigosos do planeta hoje, porque era antigamente.

No UFC Rio Shogun finalmente fez sua estréia.

Anderson SIlva VS Yushin Okami

Para termos idéia um pouco mais próxima do inacreditável que Anderson Silva desfilou nesse UFC, precisamos antes entender quem é Yushin Okami. Dana White costuma construir ou destruir carreiras quando lhe bem convém. Dan Handerson estava “acabado” quando não quis renovar o contrato com o UFC e Hammil virou lutador TOP 10 quando precisou colocá-lo no main event do UFC 130. Mas as suas bravatas pró Okami são sinceras. Na verdade acabam parecendo jogo de marketing por conta dos anos em que Dana manteve o japonês escondido na gaveta para impedi-lo de vencer os TOPs no peso e ter que lutar pelo cinturão. Não era interessante um asiático, sem carisma, sem força nas vendas de pay per view (bad draw) e sem fãs nem em sua terra natal figurar um main event ou primetimes e countdowns. Okami se arrastou para o topo, na marra, sozinho, por entre lutas preliminares e adversários inexpressivos, chegando em seu auge e sedento de vingança ao UFC Rio.

Fato indivisível é que Okami, desde 2006, venceu 12 lutas e só perdeu 3. E as 3 para lutadores TOP 10 e ex campeões na época (Shields, Sonnen e Franklyn) em derrotas extremamente controversas e na decisão dos jurados. Nas minhas contagens Okami venceu Franklyn e empatou com Sonnen. Tivesse um pouco mais de sorte ou carinho por parte dos árbitros laterais, estaria invicto desde 2006 e White não precisaria nem fazer propaganda.

Okami não é dos atletas mais talentosos, mas tem queixo de concreto, muito tamanho para seu peso, grande alcance, bom wrestling e muita virilidade. Do primeiro ao último round sua performance, foco e força não parecem diminuir. Distribui ataques e pressão de modo industrial, sem hesitação, do começo ao fim de qualquer combate. Esse foi o Okami tombado com jabs da guarda baixa, por Anderson, e subjugado como amador.

Nem em treino um professor de boxe ou muay-thai consegue abaixar a guarda e permitir ser atacado por um aluno do mesmo peso e moderadamente graduado. Ou, para quem já presenciou essas demonstrações de esquiva e confiança de algum mestre, como eu já, no mínimo é um aula de desvios, evasão. Nunca vem acoplados de golpes decisivos. Simplesmente porque com a guarda baixa não há velocidade para esquivar, acelerar o movimento e conseguir torção de tronco o suficiente para atingir o adversário com precisão e contundência. Isso vale para qualquer ser vivo, menos Anderson Silva.

Da mesma maneira que para uma luta contra Jon Jones ter real graça e ser competitiva ele deveria entrar no ringue contra dois ao mesmo tempo, Anderson poderia começar a lutar com um braço amarrado nas costas para os adversários terem alguma chance real. Claro que no manjado filhote de pensamento de que em MMA tudo acontece, até Sonnen poderia finalizar Toquinho com um triângulo, quem sabe? Mas na vida real, no esporte tecnicamente analisado e levado a sério, Anderson está num nível fora da compreensão até para ele mesmo. E com o manguito rotador lesionado, Anderson venceu um dos maiores lutadores do peso com um braço só, com jabs cruzados. Nem jab sólido da base estática, nem jab de encontro, mas jabs de direita se esquivando para o mesmo lado. Enquanto a cinética se apóia em vários livros para explicar porque esse movimento não pode carregar real força, ele torce as leis da física e o maxilar de Okami.

Anderson já deixou de ser apenas o melhor lutador de todos os tempos para ser um dos maiores faz tempo e sua carreira está no grandioso ato final. Se por justiça dos homens Sonnen, Stann ou Belfort depois de mais uma boa vitória mereceriam desafiá-lo novamente, pela justiça astral ele deveria lutar contra GSP, Jon Jones, Velasquez, Fedor. O que ele tinha que fazer pelo esporte, já foi feito. Agora poderia se dar ao luxo, e a nós o prazer, de fazer mais do que lutar por cinturões, por esses meros pedaços de ouro com diamante, ele lutar pela imortalidade em combates de lendas contra lendas onde títulos não tem nenhum valor.

Sua técnica chegou ao nível de arte, como estão as comidas de Eliot Graham, os dribles de Garrincha, as esculturas de Rodin, pinturas de Diego Velazquez ou as coleções do finado Alexander McQueen. Ele é maior do que o corpo. O que tem dentro não dá para ver por fora, é difícil até dele se explicar, por isso às vezes parece metido, prepotente ou bobo. Simplesmente vai e faz, por isso Chael Sonnen, que só fala, o odeia. Se estudiosos, pessoas com alto QI, técnicos experientes, lutadores, poetas, tem dificuldade para colocar em palavras seu talento, imagine ele, pessoa simples que só nasceu com super poderes. Anderson Silva apenas é, foi mais uma vez nesse UFC e será contra qualquer um até o fim de sua carreira.

No UFC Rio Anderson jogou o sushi de Okami no chão e esmagou como se fosse o olho da Black Mamba no Kill Bill.

ÚLTIMOS ROUNDS:

1) Edson Barbosa e Erick Silva estarão entre os lutadores mais importantes do peso e flertando com o cinturão em menos de dois anos. Mesmo num esporte em tão rápida evolução são poucos os lutadores que alcançam esse amálgama de violência objetiva, técnica e raça.

2) Banha nunca esteve tão bem fisicamente, mas foi mais contaminado do que contagiado pela torcida. Mais eufórico do que motivado, se expôs e levou vários mata cobras cegos e sem qualidade de seu adversário até que um, obviamente, acabou pegando, justamente quando estava prestes a nocautear. Banha saiu correndo e só lembrou no meio do caminho que não podia pular pra fora da grade. Acabou nocauteado por um atleta muito inferior que ele venceria 9 vezes em 10. Ainda tomou vários socos já em estado de inconsciência por negligência do excelente Mario Yamazaki, que também sentiu o peso da torcida. Lutar com a torcida apoiando é que nem bebida, tem que apreciar com moderação.

3) Johnny Eduardo é muito melhor do que vimos contra Raphael, mas talvez tenha alcançado seu sonho de lutar pelo YFC um pouco tarde demais. Temos um reloginho em nossa mente que marca a hora de alcançarmos objetivos. Chegar muito antes ou muito depois costuma trazer conseqüências desagradáveis. Torço para que Dana lhe dê mais uma chance. Seu dinamismo e velocidade ainda podem render excelentes lutas.

4) A entrada de Paulo Thiago que detonou milhares de vozes cantando a música do filme Tropa de Elite e frases de apoio ao BOPE, foi uma manifestação poderosa e sincera de apoio à polícia eficaz, paz, segurança e ordem.