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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

ANÁLISE: DREAM DYNAMITE 2010 - Overeem VS Duffee


Milênios atrás os japoneses misturaram peixe cru com arroz e deu certo, mas achar que misturar regras e lutadores de eventos diferentes pode salva-los da falência anunciada, é “coisa de japonês”. O maior evento asiático do ano é confuso até no nome. Seria DREAM-Dynamite, K-1-Dynamite, FEG Dynamite, DREAM K-1-Dynamite ou apenas Dynamite? Nem os maiores sites de MMA do mundo chegam a um consenso e isso é reflexo de todo o conceito por trás dessa madrugada de lutas. Um evento enorme, arrastado, com casamento de lutas desnecessárias e 4 variações diferentes de regras. Lutas nas regras do K-1, lutas nas regras do DREAM, luta sem luvas não valendo socos no rosto e luta com um round nas regras do K-1 e outro do DREAM. Aqui seria uma sopa de entulho, lá, podemos chamar de sopa de tofu.

Um card com muitos bons lutadores e lutas por cinturão, arruinado por uma decisão desesperada por parte de seus organizadores. Se a história e o destino estavam esperando um péssimo evento para selar a falência dessas grandes organizações, pode ter sido esse. O DREAM de fim de ano foi um desastre.

Alistar Overeem VS Todd Duffee

Overeem mostrou que quando casam um lutador que sabe bater contra um que não sabe apanhar, o resultado é nocaute em menos de 20 segundos.

Overeem é um dos melhores lutadores de MMA do planeta, só Dana White não acha. E vai continuar não achando até conseguir contratá-lo para o UFC, aí começará a dizer que ele é TOP 10. Muitos dizem que o holandês toma anabolizantes, mas ele passou no antidoping olímpico para a luta contra Rogers no Strikeforce, outros dizem que ele só sabe bater, mas das suas 34 vitórias 19 foram por finalização, alguns ainda dizem que ele tem queixo de vidro, mas é o atual campeão do Grand Prix do K-1. O certo é que Overeem é um espécime que poderia ser saído do mesmo tubo de ensaio de onde um dia saiu Mark Kerr. Um lutador enorme, agressivo e decisivo. Um dos maiores da atualidade em peso e em violência. Uma luta dele contra Junior Cigano seria dinamite. Mas dinamite com pólvora seca para explodir, e não esse Dynamite de fim de ano que só faz puft!

Todd Duffee se divide entre ser lutador de MMA, estudante de direito, modelo fotográfico e garoto propaganda de uma revista de musculação. Como ele não é Georges St. Pierre, acaba meio confuso entre as atividades e não tem performance satisfatória em nenhuma, ou, pelo menos, não na que nos interessa. Nos ringues e octagons de MMA.

Sua vitória por espancamento sobre Assuério Silva no Jungle Fight 11 mostrou um atleta jovem, poderoso, com muitos buracos técnicos, mas que tinha tudo para se tornar um expoente no esporte. Dois anos depois ele continua com as mesmas qualidades e os mesmos defeitos, que um nível mais alto de competição não perdoa. Duffee vem com um botão de “snooze” no queixo. Parece que é só apertar que ele dorme mais 5 minutinhos. Perdeu por nocaute, o segundo seguido, e não pareceu muito abalado. Ele e fãs vão dizer que aceitou a luta em cima da hora e essas coisas, que são verdade, mas um lutador profissional que luta com a desculpa para a derrota na ponta da língua tende a acabar dormindo, debruçado sobre as cordas, com o nariz apontando para o chão.

Hiroyuki Takaya VS Bibiano Fernandes


Os comentaristas devem ter saído com a garganta arranhada de tanto que gritaram para tentar nos convencer que a luta pelo cinturão do peso pena do DREAM estava sendo emocionante. Numa luta sem shoyo, sem socos certeiros, chutes ou qualquer coisa que faça uma luta ser motivante, Bibiano perdeu na decisão para Takaya. Fosse essa luta nas regras do UFC, eu teria dado a vitória para o brasileiro que venceu os dois primeiros rounds, ou um empate, já que o segundo foi bem equivalente. Mas a luta não foi na América e o domínio no último round rendeu os louros ao japonês.

Marius Zaromskis VS Kasushi Sakuraba

Sakuraba já teve o osso do malar afundado, o orbital fissurado, ligamentos do ombro rompidos, várias lesões nos joelhos, fissuras na face e, nessa luta, quase ficou sem orelha. Um dos maiores lutadores de todos os tempos vai se desmantelando e deixando cada vez um pedaço diferente pelo chão, junto aos fragmentos do coração partido dos fãs mais antigos que já o viram até voar.

Sakuraba perde por interrupção médica quando sua orelha parecia prestes a se separar do corpo.

Zaromskis ainda vive da glória dos 3 incríveis nocautes seguidos que conseguiu em 2009 com chutes na cabeça no GP do DREAM para conquistar o cinturão do meio médio. Sua fama meteórica o levou a uma temporada fracassada nos Estados Unidos e retorna vencendo Sakuraba pela defesa de seu título justamente conquistado. Zaromskis sabe dar bons chutes altos e nada mais. Vai se manter campeão do peso no Japão enquanto a organização quiser vê-lo contra atletas asiáticos, independente de qualidade, ao invés de prová-lo contra competidores de melhor nível.

Sergei Kharitonov Vs Tatsuya Mizuno

Mesmo quem está de dieta, pode comer palmito. Não faz mal, não engorda, tem quase zero de carboidrato e etc. Quando os japoneses querem que determinado lutador saia do ringue com vitória certa é só colocá-lo contra Tatsuya Mizuno. Fora Manhoef, que ele venceu num dos resultados mais surpreendentes do século em qualquer esporte de combate, Mizuno fez 5 lutas contra lutadores mais renomados e perdeu as 5 antes do fim do segundo round. Um lutador tecnicamente medíocre que só ganha a vida nesse esporte por ser japonês.

Kharitonov fez sua segunda luta em dois anos. Uma derrota em 2009 e essa vitória em 2010. Só. Porque ele está tão fora circuito super aquecido do MMA é digno de estudos. Talvez o baixo custo de vida do país onde more não faça necessário mais do que isso para viver bem. Quem sabe? Dizer que ele faria frente aos melhores do peso lutando como luta agora, é uma inverdade saudosista. Mas que ele, em forma, seria uma excelente adição a qualquer card, isso é verdade.

Shinya Aoki Vs Yuichiro Nagashima

Eu tinha dado o prêmio de momento mais ridículo do MMA no ano de 2010 para a derrota de Duffe no UFC 114 e para a derrota de Marcus Aurélio para Aoki no Dream 16. Era um empate técnico. O primeiro, um gigante de 120 kilos espancar seu adversário por 3 rounds e acabar sendo nocauteado com um peteleco de raspão, o segundo, um faixa preta de jiu-jitsu ser dominado e colado ao chão por 20 minutos sem esboçar nenhuma reação fora tentar defender o rosto. Mas a derrota de Aoki nesse DREAM arrancou nos segundos finais e pegou para si o prêmio.

Clovis Bornay era Hours concours nos concursos de desfile de fantasias no Rio de Janeiro. Como ninguém conseguia vencê-lo lhe concederam essa honra, o consagraram como imbatível na categoria para outros poderem ter chance também. Por mais que ele continuasse desfilando, ele não competia mais. Essa derrota por nocaute de Aoki recebe a mesma honra. Nada na história do MMA, nenhum nocaute em um segundo, nenhuma fuga pelas cordas vai superar essa infâmia.

O primeiro round da luta era nas regras do K-1, aonde Nagashima é campeão. Aoki rodou, correu, pulou com os pés no peito, subiu nas cordas e fez tudo o que achava divertido na tentativa de humilhar seu adversário e desrespeitar uma outra forma de competição. Contou piada para ele mesmo rir, fez papel de moleque e tirou para bobalhões os milhares de fãs que estavam ali para ver um combate entre dois homens.

No segundo round, nas regras do MMA, Aoki partiu para definir. Já tinha mostrado que esse esporte chamado K1 aonde só vale soco e chute não é de nada mesmo, e entrou de modo amador nas pernas de Nagashima. Tão amador que levou uma joelhada no rosto e caiu dormindo, ridículo e desmoralizado em 4 segundos.

Nagashima vence nas regras do MMA um dos melhores lutadores do peso no mundo. E Aoki mostra que para ser um dos grandes é preciso ter um grande coração, ser homem de dentro pra fora, e apesar de ser um lutador fantástico, isso ele não é.

Último round:

Esse foi um evento de K-1, MMA, os dois ou nenhum? MMA precisa de seriedade para se firmar definitivamente. È um esporte que não para de crescer, mas ainda está na festa dos granfinos sob olhares desconfiados. É super violento, ultra explosivo, cheio de marketing e mídia poderosas, sem seriedade para juntar tudo num pacote profissional, se torna um circo.

Para mim, o ano acabou de modo glorioso no chute de Pettis.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

ANÁLISE: WEC 53 - Pettis VS Henderson


Quando começava a tocar a música Illuminati do Fatboy Slim a nossa pressão aumentava junto com a velocidade acelerada dos BPMs. O sangue fluía junto com a sensação de que uma noite incrível de lutas estava para começar e nunca, nunca houve decepção. Mesmo quando um WEC era fraco, estava entre os 10 melhores eventos do ano. WEC chega ao fim de modo explosivo pelo peito do pé de Pettis, e garante seu lugar no hall dos grandes que já se foram, junto a Pride, IVC e Meca.

O site Sherdog publicou seu bem conceituado ranking e nenhum lutador do WEC está entre os 10 melhores. Sherk e Dunham estão na lista, mas Ben Henderson, Anthony Pettis e Donald Cerrone nem aparecem. Um erro tendencioso que será corrigido sem piedade por esses que são 3 dos melhores lutadores leves do planeta.

O UFC é inquestionavelmente o maior evento do mundo e a fusão com o WEC funcionará como uma hemodiálise. O evento que já era o melhor, agora também fica mais veloz.

Anthony Pettis VS Ben Henderson

A melhor luta do ano foi uma colisão entre dois dos lutadores mais incansáveis do MMA. Mais do que uma batalha física foi um choque de egos, de sonhos. Faltando 1 minuto para o fim do último round era difícil apontar um vencedor, na minha contagem estava dois rounds para cada um e o quinto estava, até então empatado. Os dois já tinham tomado prejuízo em pé, quase sido finalizados, sofrido reversões, achado que a luta estava mais para o outro e agora mais para si. Era o mar se chocando contra a montanha, o sol parado no horizonte. Não havia vencedor claro e, poeticamente, nem precisava. Até que, um minuto para o fim da luta Anthony Pettis manufatura um dos movimentos mais emblemáticos da história do esporte. Toma impulso e com o mesmo pé que serve de apoio para quicar na grade chuta o rosto de Ben, que cai e se esparrama pelo chão. Em segundos esse movimento foi um dos 4 mais tuitados no planeta e apareceu em mais sites que a coletiva de imprensa do UFC no Rio. Faltando 1 minuto para acabar a luta, Pettis mostrou que tem coisa que só acontece em MMA.

Numa luta tão parelha que poderia ser descrita somente em movimentos, sem nem citar nomes de atletas, o pé de Pettis resolveu a questão. Rasgou a poesia toda, foi um tufão que transforma o mar em tsunami e submerge a montanha, acordou quem estava dormindo. É o golpe que faz o gordinho querer emagrecer e virar lutador, faz o filho chamar o pai para ver, coloca MMA no highlight do maior canal de esporte do planeta junto com futebol, basquete e todos os outros. È o movimento que cria novos fãs e emociona os mais antigos.

O esporte precisava desse chute, dessa porrada na cara, desse movimento. O vôo de Sakuraba para pisar Royce no chão, o suplex de Randleman em Fedor, o bate estaca de Sapp em Minotauro, o nocaute com um jab de Anderson em Griffin e alguns outros. Não é um mero golpe, é um momento. Um momento que dissolve certezas, invisível para o impossível, quebrador de paradigmas. Um chute que será dado trilhões de vezes nasceu no esporte que mais cresce no mundo, na última luta do ano, no último WEC da história, no último minuto do último round. MMA é assim. Por isso eu amo esse esporte.

Pettis vai disputar o cinturão com o vencedor de Edgar e Maynard. Vamos ver se o pragmatismo técnico de um desses grandes lutadores será suficiente para agüentar a criatividade, violência e entrega total de um campeão forjado na categoria de peso mais disputada do WEC.

Benson Henderson tem tração, coração, ataca, finaliza, resiste e persiste. Foi vencido pelo incompreensível, pelo imponderável, mas não tem muitos atletas que tenham como fazer o mesmo. Ben vai dar muito trabalho a muito lutador TOP no UFC.

Dominick Cruz VS Scott Jorgensen

Cruz abaixa a cabeça e cambaleia pra frente, dá um passo de capoeira e corta pra trás, pendula para um lado, entorta para o outro. Parece que está em pé encima do caiaque. Ele não se move como uma pessoa normal. É uma colcha de retalhos de influências, de pedaços de estilos, e isso o torna um lutador único, indecifrável. Parece que tem imã nas mãos, porque não importa de onde ele as lança, sempre acertam o adversário. Seus golpes tem uma precisão enorme, mesmo disparados de um corpo em movimento tão errático. Parece que acerta o alvo equilibrado na corda bamba. Cruz tem carisma, aparência boa e um estilo peculiar. Ele e José Aldo são os dois campeões das duas novas categorias de peso do UFC. E que grandes campeões.

Scott Jorgensen é um lutador agressivo e dinâmico, mas Cruz não o deixou mostrar nada disso. No UFC, lutas dele contra Dunham, Sherk, Guida, Gomi, já vem com o carimbo de luta da noite.

Donald Cerrone VS Chris Horodecki

Se Cerrone se levasse a sério, coisa que nem seu treinador Greg Jackson consegue convencê-lo a fazer, ele poderia ter lutado pelo cinturão nesse WEC 53 e até saído como desafiante ao título no UFC. Mas Cerrone não quer ser campeão, ele quer lutar, quer ser maneiro, ter estilo e essas coisas. Por mais que seja de se lamentar sua falta de ambição, ele é talentoso demais e os momentos em que fez guarda contra Horodecki poderiam ter sido gravados por Paquetá e mandados secretamente para muitos treinadores de MMA no Brasil.

Jiu-jitsu pode ser uma arte agressiva, e em MMA, com limite de tempo, tem que ser. O rosto de derrota que muitos atletas brasileiros da arte suave fazem ao serem jogados ao chão, chega a ser digna de estudos. Como se cair por baixo fosse estar em posição de desvantagem. Nunca foi desvantagem para Minotauro, Sakuraba, Maia, Sotiropulos, Aoki, Toquinho, Royce e outros que agridem por baixo. Cerrone mostrou porque um faixa preta de jiu-jitsu tem que ser temido no chão. E se não for, se o adversário achar que é só se espatifar de barriga na guarda e ficar lançando socos, pagará o preço. Cerrone abriu a guarda e atacou, justo e preciso, até finalizar o jovem e experiente Horodecki.

Se Cerrone tivesse feito as lutas que fez no WEC, no UFC, já seria um favorito dos fãs. Todas as suas lutas são um barato, pra frente, chocantes. Revejam a primeira contra Ben Henderson ou a segunda contra Jamie Varner . O Cowboy ainda vai laçar e dominar muitos TOP 10 do peso no UFC.

Horodecki periga ser cortado ou fazer uma luta pelo contrato no card preliminar. Tem raça, luta e deixa lutar, mas não parece estar no mesmo nível estelar em que esse peso agora se encontra depois da fusão.

Último Round:

Esse WEC 53 foi o último da linhagem de uma raça em extinção, um evento voraz, faminto, com lutas agressivas e sinceras. O WEC acabou semana passada, mas continuará vivo por décadas influenciando lutadores e empresários, quase um documento assinado e registrado em cartório sobre como MMA deveria sempre ser disputado.

twitter.com/nicoanfarri

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

ANÁLISE: UFC 124 - St.Pierre VS Koscheck


A maioria da mídia especializada adorou esse UFC 124. Pra mim foi um evento apenas razoável. Sem nenhuma luta incrível, mas com todas bem disputadas, me lembrou os dias de criança quando mamãe servia bife e arroz e perguntava se estava bom. Com batata frita estaria ótimo, se ao invés de bife fosse frango, estaria ruim, mas do jeito que estava, era “médio”. Esse UFC 124 foi um evento assim. Médio. UFC 117 com Anderson VS Sonnen, Fitch VS Thiago, Guida VS Rafael, Cigano VS Roy Nelson ou UFC 121 com Velasquez VS Lesnar, Sanchez VS Paulo Thiago, Schaub VS Napão são dois exemplos de eventos melhores. Para mim o ano fechará de modo explosivo com o WEC 53.

Georges St. Pierre VS Josh Koscheck

St. Pierre é o lutador perfeito. Causa a maior quantidade de dano sofrendo o mínino, não faz mais esforço do que precisa e o que faz é mais do que suficiente para desativar e desmoralizar seus adversários, não fere mais do que necessário seu oponente e faz wrestlers campeões da NCAA ficarem com vergonha de suas medalhas. Isso tudo sem palavrões ou ameaças, é capa da Men’s Health, atleta do ano no Canadá, modelo fotográfico e ainda distribui elogios e respeito para o derrotado. St. Pierre é a evolução do MMA por isso suas lutas tendem a ser chatas, como essa foi. Um atacando de esquerda e outro sendo atingido no olho direito. Isso resume bem a luta. As reviravoltas que adoramos ver, lutadores que saem de uma posição complicada para mudar a história, trocações violentas e despretensiosas, nada disso há nas lutas do canadense. São conseqüências de erros de estratégia ou técnicos, e St. Pierre não era mais. Errou uma vez contra Serra e foi nocauteado, uma vez contra Hughes e foi finalizado. As chances de erro foram calculadas e reduzidas a quase zero pelo seu sistema.

Mais do que assistirmos as suas lutas torcendo por algo muito emocionante, que não acontecerá, ou pela sua derrota apenas para vê-lo em uma situação diferente, é melhor aceitarmos que ele é um dos melhores atletas de todos os tempos e admirarmos suas performances. Admirarmos como ele consegue neutralizar lutadores excelentes como Fitch, Thiago, Penn, Koscheck, com uma aplicação estratégica visionária. Mais do que achar a luta legal, devemos estudar seus movimentos e escolhas táticas. St. Pierre faz lutadores incríveis parecerem que nem deveriam lutar MMA. Ele lhes tira mais do que a vitória, St. Pierre lhes subtrai de arrogância e acalma a alma. Dizem que as pessoas que tem uma experiência de quase morte e vêem a luz no fim do túnel voltam diferentes, mais simples. Quem luta com St. Pierre volta mudado. Como se fizessem um intensivão para monge no Tibet ou retornassem de um retiro espiritual. Até Dan Hardy abriu mão, mesmo que temporariamente, de seu moicano. Ao fim de cada luta Pierre está como sempre, inabalado e igual. Como um pai que não quer mais brincar de luta com o filho pequeno e o coloca para dormir. Cabe ao adversário diminuir e aceitar sua insignificância momentânea, optar pelo lado da grandeza em ser humilde do que ser humilhado tentando ainda se mostrar competitivo.

Freddie Roach já treinou 27 campeões de boxe incluindo o fenômeno Many Pacquiao e tem em Pierre seu melhor aluno oriundo do MMA. Freddie afirmou que Georges ganharia a luta com cruzados de esquerda.. E foram vários cruzadinhos e jabs de esquerda que definiram a luta.

St. Pierre é um dos maiores atletas do mundo, independente do esporte, treina com os melhores, viaja o mundo todo atrás de mais conhecimento. Sempre coloca mais carvão na sua fornalha. A máquina não para. Shields não tem a menor chance real de vencê-lo por mais que a máquina publicitária do UFC vá nos convencer do contrário. Pierre já admitiu que pode subir de peso e é o que deve fazer. Lutadores naturalmente mais pesados tem potência nos golpes e força muscular que podem estar além do que ele vem experimentando, e isso criaria lutas interessantes de verdade. St. Pierre conseguiria vencer Anderson Silva com jabs? Derrubaria Chael Sonnen? Em 2011 ele deve responder algumas dessas questões, até lá, vai passar por cima de qualquer adversário como Ghandi passeava por entre invejosos e detratores, transformando-os em seguidores ou seguindo em frente e ignorando sua presença.

Koscheck tomou uma surra de jabs nesse UFC 124. Sua explosão, cruzados perigosíssimos e quedas em nível de campeão mundial, tudo parou no couro da luva esquerda de Pierre. Parecia um touro doido indo de encontro a ponta da espada do toreador espanhol. Josh disse que ia fazer um monte de coisas e não fez nada. Era de se esperar. Pierre venceu, ao fim dessa luta, o trigésimo round seguido.

O Koscheck que fingia ter tomado dedadas no olho ou joelhadas na cabeça para prejudicar seu adversário saiu dessa luta um pouco mais homem ao aceitar continuar mesmo com o osso da órbita fraturado. Nesse tipo de fratura estilhaços de osso se agarram ao globo ocular zerando a visão, causando dor e impedindo a rotação. O médico insistiu em que abandonasse a luta, mas ele perseverou. Mais um que sai da luta contra Pierre com uma medalhinha de honra ao mérito. Foi assim com Hardy que teve o braço estalado algumas vezes e não bateu, Ficth que apanhou 5 ronds e continuou de pé, Thiago que teve os dois olhos fechados mas continuou em frente. Todos esportivamente vencidos, mas espiritualmente fortalecidos. Para eles, seu algoz poderia se chamar São Pierre.

Stefan Struve VS Sean McCorcle

Struve e McCorkle no co-main event. Sério? O co-main event é a segunda luta mais importante do card e será que alguém acredita que essa supera em importância Thiago e Howard ou Charles e Miller? Eu não. Para se ter uma idéia do absurdo, esses dois atletas fizeram suas últimas lutas no card preliminar. Struve pegou apenas 3 lutadores interessantes. Nelson e Cigano, foi nocauteado, e Paul Buentello que venceu na decisão dividida mais injusta e polêmica de 2009.

Isso acontece porque fora Velasquez, Cigano e Mir, todos os peso pesados relevantes do UFC vem de derrota. Carwin, Lersnar, Minotauro, Nelson. Também é conseqüência de Dana ter cortado Werdum, Arlovski, Sylvia e nunca ter contratado Pezão ou Overeem. 5 lutadores que passariam fácil por cima dos dois personagens desse ultrajante co-main event. O UFC precisa inventar novos lutadores pesados para colocar no mix.

A luta teve ritmo de rola, de treino. Tem gente que gosta dessas lutas cheias de giro displicente, raspadas de guarda fechada e lutadores sem expressão lançado a mão na cara do outro. Pra mim foi luta moderadamente divertida entre dois lutadores inexpressivos. O tamanho, carisma e nacionalidade holandesa de Struve o manterão por um bom tempo na organização. Stefan venceu por desistência, mas segundos antes poderia ter perdido numa kimura. Uma luta movimentada, mas sem emoção.

Após o evento, Dana White diz que Struve é um lutador de boa qualidade e está entre os melhores, mas que Alistar Overeem que só tem uma derrota no peso pesado, campeão do Strikeforce e atual campeão do K1 Grand prix é um lutador que ainda tem muito a provar para ser considerado top 10 no peso.

Jim Miller VS Charles Oliveira do Bronx

A maior das armas secretas de qualquer lutador é ser subestimado pelo adversário. Quando um excelente lutador é tomado por um lutador qualquer, o oponente tende a pagar o preço. Foi isso que aconteceu com Charles nessa noite. Miller é prepotente, acha que é melhor do que realmente é, mas é muito talentoso. Só perdeu para os dois que farão a luta pelo cinturão no UFC 125, é bom de chão, bom de mão e muito duro, mas os fãs brasileiros pareciam não se importar muito com ele e já davam Charles como vencedor. È verdade que tem muitos excelentes lutadores fora do UFC, mas também é verdade que 95% dos grandes lutadores estão lá. Em eventos menores como Itu Fight, Platinum, Predador FC, AVJ Events, Cage Domination e tantos outros pelo mundo, ainda podem ser encontrados lutadores que veriam aquele pé do Charles na cara pedindo para ser torcido e não fariam nada. Mas no UFC alguém vai se agarrar nele e aplicar uma chave de pé, joelho e etc.Foi o que aconteceu. Lutadores com as pernas longas tem que tomar cuidado redobrado ao tentar chaves de perna ou acabam se expondo para contragolpes letais.

Charles chegou como um campeão deve chegar, confiante, feliz, agressivo. Só que ainda não é campeão e talvez tenha se superestimado. Quando ele desferiu dois chutes altos a curta distância se expondo a dois cruzados que quase o atingiram eu percebi que, talvez, ele estivesse confiante demais. E ele atacou, lutou como gostamos. Não estou aqui para puni-lo pela ofensividade, pela coragem, mas ele tem que ter mais ajuste nas posições, tratar cada adversário como o melhor do mundo, se preparar mentalmente melhor. Estar com a cabeça legal pra luta não é só estar confiante, é estar concentrado também.

Charles é um lutador melhor que Jim Miller. Melhor no chão, melhor em pé, mais carismático, mais novo e mais promissor. Com calma e foco ele vai chegar longe e essa derrota pode te-lo ajudado. Deve fazer uma ou duas lutas com atletas de menor expressão e ir construindo cartel, o que é o certo. Ele ter sido colocado em sua terceira luta no maior evento do planeta contra um TOP 10, talvez TOP 3, foi uma falta de cuidado do matchmaker Joe Silva. Charles é importante para UFC e mídia internacional, que o adoram. Esse choque foi bom para desacelerar o processo de seu crescimento e dar tempo e espaço para ele se tornar o grande lutador que pode ser.

Miller é um bom lutador, tem em sua perseverança e concentração armas para se manter como um dos melhores do mundo, mas falta a ele a criatividade dos campeões. Depende demais de erros dos adversários para capturar uma vitória. Miller não consegue induzir os adversários a falha, não tem qualidade para isso, mas é constante. Está sempre lá, o tempo todo, tentando e tentando, esperando um erro. Se não vier, ele sairá derrotado, mas é impressionante como isso aconteceu poucas vezes. Miller será sempre subestimando e essa é sua maior arma. È o homem invisível.

Thiago Alves Vs John Howard

Numa luta unilateral Thiago fez o que adora, manteve a luta em pé e despedaçou seu adversário com um boxe seco e bonito de ver. Muitos acham que essa foi a melhor apresentação dele desde que entrou no octagon. Talvez não lembrem de suas lutas contra o Mendigo, Lytle, Koscheck e etc. Thiago pareceu tão melhor nessa porque vinha de duas derrotas para St. Pierre e Fitch. Dois lutadores que mostraram que Thiago de costas no chão só sabe tentar levantar ou proteger o rosto. O Thiago desse UFC 124 é o mesmo de sempre. Excelente em pé e fraco por baixo, mas pegou um adversário que aceitou trocar. Sempre que Thiago pegar lutadores que aceitem uma disputa de boxe, ele se sairá bem e parecerá um dos melhores do mundo, um que merecia lutar pelo cinturão de novo e etc. E sempre que pegar um lutador que consiga colocá-lo para baixo vamos achar que ele é fraco e que precisa melhorar muito se quiser o cinturão.

Thiago Alvez será o que o UFC desejar. Se quiserem que ele seja grande, o colocarão contra lutadores que só querem trocar. Como fizeram com Cigano. Vão dar carne para o dente morder. Se quiserem acabar com ele, é só colocá-lo contra bons wrestlers. Eu adoraria ver Thiago VS Anthony Johnson.

Howard vinha de derrota por TKO para essa luta contra Thiago. O Brasileiro tem qualidade para vencer lutadores melhores.

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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

ANÁLISE: TUF Finale 12 - Brookins VS Johnson


As vésperas da coletiva de imprensa no Rio de Janeiro aonde Dana White anunciará a data em que o UFC virá para o Brasil em 2011, um dos assuntos mais comentados da semana é o erro grosseiro dos juízes laterais nesse TUF FINALE 12. Da mesma maneira que dia 15 de dezembro marcará um momento histórico para o MMA no país, os erros consecutivos e crassos na avaliação das lutas respingam na reputação desse esporte que deveria medir quem é o melhor lutador baseado em qualidades técnicas, táticas ou atléticas, e não quem tem a preferência dos juízes ou quem deu mais sorte naquele dia.

Leonard Garcia VS Nam Phan

Garcia tem raça, coração, uma cabeça de paralelepípedo e nada além disso, mas são características suficientes para ser um lutador empolgante de ver. Todas as suas lutas são movimentadas ou bem disputadas e por mais que nunca vá disputar o cinturão, nos oferecerá seu crânio para impacto até que haja algum dano cerebral. Garcia luta por nós, pelos fãs, faz o melhor que pode sem dar desculpas ou fugir do contato. É um cara para ser admirado ou, no mínimo, respeitado. Mas ele não venceu essa luta contra Nam Phan.

Nam é veloz, tem um bom repertório de combinações em pé e tem um jiu-jitsu razoável em MMA, mas é a sua busca constante pela vitória, pelas brechas deixadas pelo oponente que o fazem um lutador interessante. Ele e Garcia fizeram uma luta bruta e rude durante 3 rounds que deveria ter sido o ponto alto do evento, mas não foi. Na verdade a luta perdeu quase toda importância tendo em vista os acontecimentos do lado de fora das grades.

Se Lyoto teve um pacote de figurinhas roubado na luta contra Rampage, Nam teve sua conta de banco devassada e cartões estourados contra Garcia. Lyoto foi vítima de um sistema complicado de julgamento, Nam foi vítima de incompetência ou má intenção. Phan venceu com clareza os 2 primeiros rounds e sobrou para Garcia o terceiro que, na minha opinião, ele também perdeu. Mas os juízes Adalaide Byrd e Tony Weeks viram diferente. Olharam para o cavalo e chamaram de bode. Nenhum profissional que tenha conhecimento claro das regras erra de modo tão bisonho. No McDonalds quem tentar fritar um hambúrguer sem ligar a chapa é demitido. Não tem conversa. Dana White chegou a pagar bônus por vitória para Phan tamanho o ultraje.

Temos que entender a proporção do problema. Boxe foi o esporte de contato mais rentável durante anos até que, dentre outros fatores, começou a ser acusado de ter lutas compradas e juízes vendidos. Essas suspeitas existem desde que o primeiro esporte foi inventado, mas quando um atleta que espancou seu adversário até quase a inconsciência por 12 rounds perde na decisão dos juízes, a mídia e fãs percebem que há alguma coisa nefasta. Não se trata de uma questão de decisões tendenciosas. Não é mais uma questão de manipulação de resultados controversos, é um roubo descarado. Se esse tipo de questionamento sobre a veracidade das lutas foi matando um esporte milenar como boxe, imaginem o que pode fazer com um esporte tão novo como o MMA. O golpe pode ser fatal.

O comentarista do UFC Joe Rogan disse ao longo da transmissão que há alguns poucos bons juízes cercados de um bando de incompetentes idiotas que não entendem nada do esporte. Deveriam todos ser mandados embora porque eles estão matando o MMA, dando a impressão de que há corrupção, quando o que há é muita incompetência. Steve Cofield, jornalista da Yahoo Sports, acha que Joe está falando demais. Que já está difícil regulamentar o MMA em Nova York por acharem ser muito violento e que declarações de que os árbitros são incompetentes só dificulta ainda mais. Ele foi além e disse que a maioria dos fãs se esquecem de resultados polêmicos depois de uma semana, então, a imprensa deveria bater menos nessas questões.

È verdade que a alta imprensa veicular a opinião de que todo o sistema de julgamento do esporte é falho e cheio de incompetentes não é positivo, mas é menos positivo ainda o que pode acontecer se quem tem visibilidade ficar calado. Primeiro pisam na nossa grama, não dizemos nada, daqui a pouco estão entrando na nossa casa. Todos nós, imprensa ou fãs, que em MMA ainda estão muito misturados, tem que se manifestar frente a demonstrações claras de má intenção ou incompetência nesse nível. Temos que defender o que acreditamos, tomar o remédio amargo antes que a doença se generalize.

Keith Kiser é o responsável pela NSAC. È ele quem contrata e demite os juízes e é verdade que já demitiu vários após erros como esse, mas não adianta mandar embora quem comete um erro por incompetência e contratar outro com as mesmas deficiências. MMA tem que ser julgado por amantes do esporte ou ex lutadores. Tem sutilezas dificílimas de serem percebidas por que não pratica lutas ou realmente amam o esporte.

Houve roubo nesse TUF FINALE 12. Nos roubaram a diversão, nosso momento de curtir o esporte que amamos, nos roubaram a verdade e a tranqüilidade, mas se ficarmos quietos é porque roubaram nossa vergonha na cara também.

Nam Pahn venceu Leonard Garcia nesse FINALE.

Uma curiosidade para quem gosta de teorias conspiratórias: Nos 3 resultados mais polêmicos do ano, os 3 lutadores prejudicados tinham alguma descendência asiática. Lyoto (filho de japonês) VS Rampage, Chan Sun Jung (koreano)VS Garcia, Nam Phan (descendente de vietnamitas) VS Garcia.

Jonathan Brookins VS Michael Johnson

A luta entre os dois finalistas da décima segunda edição do Ultimate Fighter foi uma das melhores lutas do ano. Um grande combate não precisa ser cheio de golpes no rosto até o último round. Em K1 talvez sim, em MMA não. Há vários modos de uma luta se desdobrar de modo emocionante. Apesar de alguns comentaristas terem como maior referência de Brookins a surra que ele tomou de José Aldo, eu prefiro ver pelo lado de como ele agüentou quase três rounds de espancamento nas mãos de um dos melhores do mundo.

Brookins saiu da derrota certa pelos punhos explosivos de Johnson para virar a luta nos dois últimos rounds. Quem diria que Michael, tão mais baixo e com menor alcance, acertaria tão claramente o rosto de Jonathan, quem diria que ele agüentaria a explosão com tamanha violência dessas luvas tão pequenas e cheias de mão dentro no meio da cara, quem diria que a chave para a reviravolta seria Brookins derrubar um excelente wrestler uma, duas, três vezes? Grandes lutas são assim. Diferentes do que antevemos.

Brookins tem um cartel sólido, é muito alto para o peso, muito competente no chão, sabe dar quedas, sabe agüentar adversidades, sabe apanhar sem perder a calma, é preciso, sabe quando golpear, sabe controlar o ritmo da luta e, quando tem a chance, quando consegue uma posição de domínio, raramente cede. Mas sua maior característica não é nenhuma dessas. É ser um cara muito legal. É feio pra caramba, mas é um excelente porta voz do esporte. Educado, humilde de verdade, tanto na derrota quanto na vitória, tem discursos sobre amizade e respeito. È importante para o MMA, que ainda é visto como esporte bárbaro para tantos, um atleta como esse. Um cara comum no dia a dia, uma pessoa agradável, que tem seu destaque aonde atletas de verdade tem que ter, dentro do octagon.

Michael Johnson é apenas um lutador esforçado e com um cartel irregular demais. Me surpreendeu St.Pierre e Koscheck apostarem tanto nele como o vencedor dessa temporada do TUF. Se Johnson quiser fazer carreira no UFC como é seu sonho, deverá começar por ajustar seu peso. Pequeno demais para o peso leve, ele deveria descer, da mesma maneira que Brookins acertou seu peso ao subir para os leves.

Demian Maia VS Kendall Grove

O domínio tranqüilo de Maia no solo mostrou que faixa preta gringa é azul aqui no Brasil. Grove, que é considerado um bom lutador de chão, se limitou a ficar por baixo e parado, encolhido dentro da toca com medo do bote da serpente. Sem um ataque ou qualquer coisa que provasse ser ele um lutador conhecedor jiu-jitsu. Parecia um amador com medo de ser finalizado no primeiro treino. Um desempenho constrangedor de um lutador que já almejou estar entre os 10 melhores do peso. Ninguém parece mais muito interessado em ver Grove lutar e acho que ele já percebeu isso.

Demian Maia sofre do mesmo mal que Okami e Condit. Não tem carisma e não voltará a disputar o cinturão fazendo lutas mornas como essa contra Grove e anterior contra Miranda. Não fossem os acasos da derrota de Sonnen e contusão de Belfort, ele não teria nem disputado o cinturão do peso contra Anderson. Se Maia quiser outra chance precisa terminar as lutas antes do tempo regulamentar. Mostrar que ele apesar de não concorrer ao prêmio de Mr. simpatia, ainda é um dos melhores lutadores do peso. Mas ganhando lutas, por pontos, de modo lento e sem emoção, isso não vai acontecer tão cedo.

Stephan Bonnar VS Igor Porkrajac

Bonnar não agüenta mais. Se ofereceu para espancar e ser espancado tendo os fãs como testemunhas por muito tempo. Seu corpo quebrou. Os ossos da sua cara devem estar cheios de rachaduras. Ele sabe disso. Um golpe bem dado por rachar sua cabeça como uma casca de ovo. O Bonnar impetuoso de antes, desmontou. O que vimos nesse Finale foi um lutador que ainda quer muito fazer uma coisa que não consegue mais. Era claro seu desconforto ao tomar golpes no rosto e sua vontade de levar a luta para o chão. Porkrajac tem socos fortes, retos, mas Bonnan já resvalou porradas muito mais fortes que essa sem andar pra trás. Bonnar está bem perto do fim da carreira no MMA e Porkrajac perto do fim do contrato com o UFC. Uma última luta entre Bonnar e Griffin, uma terceira revanche, poderia agradar aos americanos e finalizar de modo lógico sua curta e interessante carreira. Porkrajac vai acabar em eventos de menor expressão e por lá vai ficar.

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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

CRÔNICA 9 - FAROESTE DO CABOCLO (publicada na Revista TATAME edição 177)


O corpo de José se formou em Manaus, mas seu espírito era carioca. Magrinho, caboclo, flamenguista e impaciente com a vida ali parada na sua frente. Passou pelo lado e se mudou para o Rio com aquele peso no estômago de que alguma coisa iria acontecer. Se era peso bom ou ruim dependia do dia, da fome, da sorte, do sol, da saudade. Um frio que retorcia as entranhas sem piedade, num balé de tripas que não conseguimos acompanhar. Alguma coisa iria acontecer. Está escrito em algum lugar, tinha que estar.

Tinha resolvido tentar esse negócio de MMA, esse tal esporte que dizem que cresce no mundo todo, que dá dinheiro, fama e essas coisas boas que sonhamos às vezes. Perdeu o cabaço esportivo com 17 anos, ainda um moleque, no Amapá, no peito, na raça e no peito do pé. Botou seu primeiro adversário para dormir com um chute na cabeça. O mesmo peito do pé que fazia embaixadinhas com bola de meia. Também sonhava em ser jogador de futebol. Aldo estava lá, pronto para agarrar um de seus muitos sonhos, uma criança cercada de vaga-lumes. Um moleque do interior, destemido e temido.

Resolveu seguir carreira, parecia que lutar era uma coisa natural. Lutou pela vida, pelas chances. Nunca teve coisas de mão beijada. Muito mais menino de rua que playboy, Aldo não temia derrotas. Sua vida seguia como uma kombi cheia de lutas, vitórias, tapas nas costas, elogios, confiança, amigos da onça e parceiros de treino, até que o pneu estourou numa pedra que havia no caminho. Uma pedra chamada Luiciano Azevedo. Aldo sofreu sua primeira derrota e para o inferno ele foi pela primeira vez.

O que passou pela cabeça do garoto deixo para Freud explicar, mas deve ter sido algo entre abandonar a carreira ou tentar ser o melhor do mundo. Hormônios se atracando com neurônios. Várias pessoas sabiam exatamente o que ele fez de errado, mas cada uma sabia uma coisa diferente. E ele só sabia que tinha perdido. O que ninguém podia imaginar é o que viria depois. Foram 3 vitórias inexpressivas, mas ele não tinha driblado o destino e deixado sua terra pra trás apenas para isso. Estava diferente, reticente. Dois passos pra trás, um pra frente. A derrota matou alguma coisa. O medo lacerava sua impetuosidade. Parecia que a rota para as galáxias estava mais para uma estradinha asfaltada. Até que um dia. Tudo mudou.

Em sua estréia no WEC, vimos sua reinvenção. Dizem que os artistas olham para o mesmo lugar, mas vêem coisas diferentes. O que Aldo vê quando olha para o chão antes da luta? Ele que chega pulando e cantando, quando entra na jaula se silencia. Alguma coisa vai acontecer, aquele peso agora é nas tripas da gente, o disjuntor vai mudar de lado, as manivelas estão sendo giradas, a freqüência vai ser alterada, a eletricidade vai começar a correr, a energia vai ser liberada. E ele levanta os olhos, quase com sono, quase como se não estivesse ali ou como se ali estivesse, na verdade, outro. Será? E com olhos de peixe morto ele lança sua fúria e destruição sobre quem está do outro lado.

Aldo se tornou um dínamo, um átomo friccionando dentro de uma caixa de chumbo, em suas veias corre energia nuclear, tem que ver, é difícil explicar. Joelhos se teleportam até a cara do adversário, braços fininhos, quase gravetos, tencionando como dois pistões ligados por fibras de titânio, uma força que não pode ter quem tem esse tamanho, uma velocidade que não pode ter quem tem esse peso.

Aldo é o soldado espartano que tira a armadura para ficar mais leve e perigoso, o planeta que explode a casca e vira uma supernova. A fênix que nasce de dentro da carne de quem quer demais alguma coisa, e não do pó do derrotado. É menos primeiro para ser mais depois.

Aldo é malandro sem terno branco ou chapéu panamá, é o carioca que nunca nasceu no Rio. Tem cara de bandido, de caixa de banco, de motoboy e de tantos tipos. Tem cara de qualquer um porque é um homem comum. E é comum em seus treinos, em sua vida, em seu dia a dia. Uma pessoa calma, atenciosa, nem parecendo que mora em outro universo. E ele é esse cara, quem conhece sabe, humilde, manso, trabalhador, consciente de tudo o que viveu, de onde nasceu e de quantas vezes ouviu que não teria a menor chance. E é assim até que entra no octagon. Aí, ele é outra coisa. Outra criatura. Um atleta magnífico.

Aldo é cowboy que sempre vence o duelo, mas não dá tiro pra cima. É ídolo reconhecido no mundo inteiro e ainda faz embaixadinhas na rua. É o homem fantástico que não se importaria nem um pouco em ser homem comum. Poderia ser “aquele cara”, mas prefere ser um de nós. A vida marcou seu coração e rosto, e ele vai cortar o MMA com seus punhos de navalha para sempre.

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