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terça-feira, 23 de novembro de 2010

ANÀLISE: UFC 123 - Lyoto Vs Rampage


MMA não se tornou o esporte que mais cresce no mundo apenas por ser diferente, por promover um combate mais justo entre as artes ou tentar responder a pergunta que tantos de nós tínhamos na cabeça quando pequenos sobre qual o maior lutador do planeta. MMA se tornou uma febre porque, simplesmente, é divertido demais de assistir. È emocionante, movimentado e violento. Esse UFC 123 lembrou a alguns com a memória um pouco mais fraca, já contagiados pela péssima qualidade de edições passadas, porque amamos esse esporte. Também levantou uma questão que parece nunca ser respondida sobre porque os critérios de julgamento que deveriam vir em auxílio ao combate acabam mais complicando. Deveriam ser o óleo que lubrifica as engrenagens, mas parece a chave de fenda que caiu ali e travou a máquina.

Lyoto Machida VS Quinton Jackson

Lyoto Machida perdeu essa luta contra Quinton na decisão dos jurados. Mas diferente do que muitos da imprensa e fãs vem dizendo, ele não foi roubado ou garfado. Foi sim mais uma vítima do sistema de pontuação obsoleto e complicado de entender, que muitas vezes faz uma vitória justa tecnicamente parecer obra da má vontade dos jurados. Temos que tentar analisar os dois primeiros rounds, já que o terceiro foi claro do brasileiro. Lyoto tem um estilo complicado de pontuar, Não duvido que jurados mais comprometidos com justiça em suas papeletas tomem alguns lexotans na noite anterior.

Em MMA são 4 os critérios de avaliação dos rounds baseados nas normatizações da NSAC (Nevada State Athletic Commission).

1) Controle de octagon é medido basicamente pelo lutador que dita o ritmo e local aonde a luta se desenvolve, no caso, teria sido Quinton que nos dois primeiros rounds buscou a luta e ainda conseguiu uma queda, mas defender uma queda é considerado controle de octagon também, e essa seria sempre vantagem do Lyoto.

2) Outro quesito são socos claros. Aqui entram também chutes, cotoveladas ou qualquer ataque em forma de impacto ao corpo do adversário. Nos dois primeiros rounds Machida acertou chutes na perna, alguns socos sem grande impacto no rosto e uma joelhada forte. Quinton acerou alguns socos na cabeça, várias pequenas joelhadas, pisões e socos curtos contra o corpo na hora do clinch.

3) Outro quesito é luta agarrada que vai de quedas a jiu-jitsu. Mas há um defeito no sistema. Em nenhuma regra é colocada textualmente um quesito que já é levado em conta na pontuação de todas as lutas faz anos: o clinch. O lutador que segura o outro contra a grade, em pé, desferindo golpes por usar essa posição agarrada de modo agressivo, é bem considerada pelos juízes. Apesar de que na regra escrita essa posição nem é citada. Mas se eles a consideraram é ponto para Jackson.

4) O último critério é agressividade. Caminhar para frente, defender quedas, acertar golpes que causam dano. Quinton andou para frente e conseguiu uma queda, mas Lyoto defendeu outras tantas. Os juízes consideraram que o Lyoto defendeu as quedas ou que Jackson queria prende-lo nas grades para danificar seus pés e joelhos? Como saber? Foi uma tática usada por Rashad contra o mesmo Rampage, Carwin contra Mir e etc.

Até no site fightmetric, que analisa a luta round a round, marcando tentativa e erro de golpes, potência e etc, é difícil nos dois primeiros rounds perceber o vencedor. Ao final da análise técnica e matemática que o site promove, há dois resultados. Na avaliação round a round, eles dão empate, na avaliação da luta como um todo, vitória do Lyoto.

Numa avaliação round a round, a questão é quem vence mais rounds. Se um lutador vence dois rounds por uma super mega micro vantagem quase invisível, pronto, ele tem 2 rounds. Se o outro lutador o domina completamente em apenas um, ficam 2 rounds a 1. Se essa luta fosse no PRIDE seria uma vitória heróica do Lyoto que contaríamos para sempre, como tantas outras poderosas que aconteceram naquele ring. Mas no UFC, Strikeforce, Jungle Fight e quase qualquer evento, ele poderia ter perdido a luta. Na minha pontuação, pelas regras atuais, eu dei empate. O ponto é que não houve erro nessa luta, houve o problema recorrente por causa de regras abstratas demais norteando um esporte baseado em fatos. Simplesmente as regras tem que ser mais claras e os juízes ex lutadores ou amantes reais do esporte. Já seria um bom começo.

Refuto também a questão velha que sempre vem a tona sobre ele ter sido prejudicado por ser brasileiro. A imprensa nacional tem que ajudar a educar nossos fãs. Aqui muitos ainda vêem Brasil VS mundo, mas lá fora apesar de torcerem para seus lutadores, torcem muito mais pelo esporte. Lyoto e Shogun, dois brasileiros, fizeram o evento principal no Canadá para uma platéia eufórica e casa lotada. Rashad Evans, americano e, na época, detentor do cinturão do peso no UFC, foi vaiado o tempo todo antes mesmo de começar a luta pelo público americano, que estava em frenesi e apoiando o brasileiro Lyoto. O mesmo brasileiro que muitos aqui acham que foi prejudicado por não ser “da casa”. O americano Jason Brilz venceu no octagon a luta contra o brasileiro Minotouro, mas os juízes deram a vitória para o brasileiro mesmo assim. Quer dizer que os americanos “roubaram” para o brasileiro ganhar? MMA já rompeu as barreiras da nacionalidade. Talento, técnica e carisma já superaram o local de nascimento. A maioria do mundo já aprendeu isso, agora falta a gente.

Quinton Jackson é um guerreiro por mais que muitos não lembrem. Foi um dos maiores lutadores de todos os tempos, super estrela do maior dos eventos que se chamava PRIDE, junto com Fedor, Minotauro, Sakuraba, Wanderlei e poucos outros. Rampage admitir que perdeu a luta para Lyoto ao final só mostra que seu espírito de lutador é genuíno. Para ele, vencer de leve 10 minutos e apanhar 5, deveria dar a vitória para o adversário. Como tantas que ele conseguiu no passado. Tantas reviravoltas fantásticas que essas regras do UFC só dificultam. Quinton venceu no UFC Liddell, Handerson, Wanderlei e agora Lyoto. Só perdeu de modo controverso para Forrest Griffin e para o ex campeão e seu nêmesis, Rashad Evans. Ainda é um dos melhores do mundo e faz luta boa contra qualquer um. Sua vitória complicou os planos de Dana White que esperava forçar Quinton a subir de peso caso perdesse e divulgar a volta do dragão mundo a fora. Mesmo assim, se Jackson quiser fazer mais do que lutas duras e vencer por um fio na decisão dos jurados, vai ter que incorporar mais de seu treinamento e forma física de antigamente. Só entrar com a música do PRIDE não será suficiente, apesar de ter sido uma bonita homenagem.

Lyoto é um lutador único. Seus movimentos e estilo pareciam impossíveis de se traduzir em vitórias numa competição tão real quanto MMA e luta a luta ele mostra que está num nível diferente da maioria. Mas sua tática depende demais de esquivas e movimentação e isso não grada os juízes. Ele precisa ser visivelmente contundente durante a luta. Não adianta depois aparecer num site que ele acertou mais socos. Não é uma competição definida apenas por quem acerta mais golpes. Não é boxe amador. Pode bailar e caminhar para trás quanto quiser, mas precisa causar dano real ao atacar, como fez contra Rashad, Thiago, Ortiz e etc, ou seu estilo lutará contra ele nas papeletas dos homens de terno do lado de fora. Quase como se tivesse que provar em todo round que não está apenas fugindo e que todas as saídas laterais e gritos de Bruce Lee tem como meta um ataque devastador, ou vai parecer apenas um floreio. Lyoto é um dos lutadores que mais vendem pay per view, tenho certeza que muitos o vêem esperando desferir um hadouken a qualquer momento. Machida ainda deve lutar pelo cinturão de novo, mas precisa parar de lutar para pontuar. Todos seus adversários vão tentar superar sua esquiva e técnica com agressividade e violência. Ou ele volta a ser contundente em todos os momentos, por mais que ache estar na frente nos números, ou vai amargar ainda outras derrotas azedas e polêmicas como essa.

BJ Penn VS Matt Hughes

Em 2008 Matt Hughes ameaçou abandonar a carreira após ser desmantelado por Thiago Alves. 3 lutas e três vitórias depois sobre lutadores medianos ele achou que poderia fazer frente a uma das lendas do esporte. Serra, Renzo e Cachorrão são excelentes e inquestionáveis lutadores de jiu-jitsu, mas nunca foram expressivos em MMA e serviram apenas como formol que conservou Matt dentro de um vidro que foi estilhaçado nesse UFC 123. Mas quem pode culpá-lo por sonhar em voltar a ser campeão? Rico, casado, integrante do hall da fama do UFC, só a glória do cinturão o motiva. E eu não faço pouco de grandes sonhos. Mas a única chance dele vencer BJ seria se o havaiano chegasse todo sujo de areia, de sunga e com uma prancha de surf debaixo do braço.

Fora a derrota vexatória na segunda luta contra Frank Edgar e a prepotência de entrar gordinho para enfrentar o campeão St.Pierre, Penn vem riscando seus adversários da lista como um samurai cortando bambu com uma Hattori Hanzo. Penn, como todo gênio, incendeia frente ao questionamento e a derrota aonde outros abaixam a cabeça e desistem. Para nós, nesse UFC 123, ele lutou contra Hughes, mas em seus olhos só via refletida a imagem de Frank Edgar ou Pierre. A real motivação é a vingança sobre os dois únicos homens que o venceram duas vezes. Quando Penn se sente provocado sua esquizofrenia aflora e seu lado maníaco entra no octagon. Ele se torna um cara louco por vitória e com todos os conhecimentos de como conseguir, de como nocautear ou finalizar qualquer um. Isso para nós é um barato de assistir, mas para Hughes e tantos outros, deve dar medo. Penn atropelou Hughes em 20 segundos e como o americano não é Minotauro, foi sorte não ter acabado paralitico.

Mais do que ser nocauteado e perder a luta, Hughes saiu derrotado desse UFC 123. Não por falta de coragem ou hombridade, que ele tem de sobra, mas por dentro. Estava devastado. Não é mais um menino que se chateia, faz biquinho, mas quando chega em casa tudo fica melhor depois de um banho frio e beijinhos na namorada. È um homem realizado nas coisas que almejou e que, simplesmente, acha que esse seu último sonho não se realizará. Que ele nunca voltaria a ser campeão do UFC é fato, mas é uma pena que ele tenha percebido isso de modo tão doloroso e na frente de milhões de pessoas. Hughes é um dos maiores e merecia se aposentar de modo saudável e não com os olhos vermelhos de tristeza na frente de tantas testemunhas.

Maiquel Falcão VS Gerald Harris

Quando faltam 10 segundos para terminar um round ouvimos aquelas marteladas que vem do lado de fora. É um modo de avisar ao juiz e lutadores quanto falta para acabar. Muitos usam esse tempinho para se fechar e esperar o final, outros como Maiquel Falcão encaixam um mata leão nesse exato momento. A questão é que apenas 2 segundos após a martelada, soou o gongo anunciando o final do round, quando ainda faltavam mais 8 ou 7 segundos. Segundos suficientes para Harris dormir e o brasileiro estrear no UFC com uma vitória por finalização no primeiro round. Mas a luta foi parada antes por um erro amador de sincronia entre o relógio da Comissão Atlética e o timer digital da transmissão do UFC.

Justiça poética foi feita e Maiquel venceu por pontos uma luta que seria impecável se tivesse lutado o último round como lutou da metade do primeiro até o final do segundo. Maiquel tem potencial para dar trabalho a muita gente, mas pensar em pontuar e cadenciar a luta logo na estréia, não é um bom sinal. Harris vai voltar a fazer lutas de card preliminar, se não acabar cortado, porque não tem muito a oferecer aos fãs mais exigentes do que disposição para apanhar e cara feia para desmerecer o vencedor.

George Sotiropoulos VS Joe Lauzon

Se Sotiropoulos tivesse uma gota de carisma que fosse ele já teria lutado pelo cinturão do peso leve com boas chances de ser campeão. Junto com Aoki, Toquinho e Maia, tem o melhor chão aplicado ao MMA do planeta. Agressivo também em pé é um lutador completo, mas fazer Joe Lauzon parecer um faixa azul no chão não é simples. Venceu com uma kimura que vemos tanto em treinos mas tão pouco em MMA, aonde a maioria lutadores de jiu-jitsu tem medo de aplicar metade do que sabem.

Sotiropoulos está com luta marcada contra Dennis Siver, o que indica que não lutará pelo cinturão tão cedo. Siver é apenas um esforçado e é muito raro o UFC colocar uma luta entre um TOP e um mediano como credencial ao cinturão. Caso vença Siver, uma luta de Sotiropoulos contra Maynard, Florian, Gomi, Cerrone, Varner, Henderson ou Frank Edgar (já que de todos esses apenas um estará como campeão do peso leve), se desenha. Mas aí sim, com contornos de desafiante ao cinturão.

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terça-feira, 16 de novembro de 2010

ANÁLISE - UFC 122: Marquardt Vs Okami


Mídia e governo alemães não parecem muito interessados em MMA, no UFC ou na persona autoritária de Dana White e vem boicotando o esporte já faz um tempo. Se podemos dizer que foi um ato corajoso da Zuffa e Dana colocarem de pé outro evento em solo alemão mesmo assim, nadando contra a maré, também é verdade que se a idéia é provar ser MMA e sua maior organização um esporte legítimo e viável, deveriam ter caprichado mais na qualidade do card. O que era para ser uma prova de força do UFC acabou saindo como o restaurante que não tem muitos clientes e, ao invés de fechar as portas, começa a servir comida de pior qualidade.

Yushin Okami VS Nate Marquardt

Marquardt é um grande lutador do ponto de vista técnico, isso é inquestionável. Não há uma área do MMA sobre a qual não recaia sua lucidez e bom domínio. Bom nas quedas, na defesa de quedas, boa trocação e um bom jogo de solo. Também é forte, explosivo e imprevisível. Um dos poucos lutadores no planeta que podemos realmente chamar de completo sem dar justificativas. Mas tem alguma coisa muito errada com as sinapses nervosas que, em mini impulsos elétricos, fazem seu cérebro funcionar. Em computador chamamos esses defeitos que aparecem de tempos em tempos de BUG. A impressão é que há um vírus dentro do sistema de Nate que o impede de lutar sempre que a disputa por cinturão se aproxima. São várias as metáforas e algumas boas explicações técnicas, mas aqui, em bom português, todas querem dizer que ele amarela mesmo. Depois de estrear no UFC esteve irreconhecível em todas as lutas que fez onde o título do peso médio estava envolvido. Contra Dean Lister (vitória que o credenciou a disputar o cinturão), Anderson Silva, Sonnen e Okami. Mesmo quando triunfou lutou extremamente mal. Mas nas lutas entre essas ele foi incrível. Digno de ser considerado por muitos o segundo no ranking da categoria. Nesse UFC 122 a rádio pirata que zoou com suas transmissões de Nate mais uma vez foi o mais ocidental dos orientais, Yushin Okami.

Se Okami estivesse vendendo hamburgers no McDonalds nós compraríamos um e sairíamos sem nem perceber. Um bom lutador, duro, tenso, que agüenta o atrito e causa impacto, mas com carisma zero. Tudo o que mantém Urijah Faber ainda relevante na mídia especializada e entre os fãs apesar de ter 3 derrotas nas últimas 6 lutas é o que falta a Okami que tem apenas 2 derrotas nas últimas 14 lutas. Por mais que o japonês lute bem, parece que ninguém se importa. E foi com esse espírito de cão sem dono que ele entrou nesse UFC. Dar ou não show, lutar ou não excitantemente não muda nada na carreira de Okami fora do octagon, onde mídia e investidores parecem não reparar no seu trovão. Então entrou apenas para ganhar a luta, mesmo que de modo desinteressante. Nem um yen a mais. Fez o que teve que fazer e se beneficiou de ter pela sua frente um Marquardt desativado.

Okami não lutou tudo o que sabe, mas lutou o suficiente para tirar Nate de sua frente pela corrida até o cinturão que ele provavelmente nunca conseguirá. É um lutador que merece essa chance muito mais do que seus predecessores, Thales, Maia, Cote, mas vai subir para encarar o vencedor de Anderson X Belfort como se não devesse estar ali. Mais uma mostra de que MMA ainda é tão mídia quanto mérito atlético.

A corrida de Marquardt pelo cinturão já virou uma peregrinação. Dá até pena vê-lo dizer que ainda se considera o melhor do mundo mesmo depois de ser espancado pelo Sonnen ou que venceu a luta contra Okami. Ele parece perseguindo um oásis no deserto. Mais do que o melhor camp de treinamento do mundo aonde ele se prepara, Nate precisa de um psicólogo. E dos bons. Depois que se tornou um contender e enfrentou Anderson Silva, perdeu 4 lutas e venceu 5. Campeões começam o seu reinado por dentro com confiança e raça como pilares básicos, mas o cinturão pesa tanto em suas costas que nuca pesará em sua cintura.

Alexandre Cacareco VS Vladimir Matyushenko

Cacareco não deveria estar ali, naquela noite, no UFC 122. Não por não merecer, porque já fez por merecer faz muito tempo. Ele é o melhor lutador de chão em MMA oriundo da luta livre, uma máquina de força e explosão muscular. È o tipo de cara que pode estilhaçar uma perna se o adversário não bater a tempo. Cacareco, junto com Fabio Maldonado, já finalizado por ele, são dois lutadores que tem sua grande chance agora, meio tarde. Mas diferente de Maldonado que teve uma noite aonde tudo deu certo apesar do nervosismo, corte de peso e coisas da vida do atleta, na noite de Cacareco tudo deu errado. Foi chamado encima da hora, não teve como se preparar adequadamente, seu peso não estava ajustado e ainda levou alguns golpes claros na nuca que o juiz preferiu não ver. Nada disso desvia da realidade que Cacareco lutou mal demais. Entrou com medo, lento, sem confiança. Quando foi atingido com golpes na nuca, já tinha cedido a montada, protegido a cara como se fosse um amador e virado de lado. Num movimento que, quem luta, sabe que é quase pedir para parar sem bater. Lutou mal, decepcionou. Era uma coisa tão importante para ele e família e carreira que tinha que ter superado tudo e tido um desempenho mais visceral. Parecia alguém que passa fome há semanas e quando chega o prato de comida diz que está com pouco sal. Cacareco merece outra chance porque ele é muito melhor do que vimos. Ele pode ser um lutador relevante no peso desde que encaixe seu treino, preparação física e psicológica. Dana White costuma ser benevolente com lutadores que aceitam chamados para lutarem sem muito tempo para treinar. Ele os tem como alguém que veio em seu auxílio e Cacareco deve ter mais uma chance no maior evento do mundo, no mínimo, por causa disso.

Vladimir Matyushenko é um lutador competente. Tem grandes vitórias sobre Pedro Rizzo, quando ainda estava no auge, e Minotouro, mas tem derrotas para todos os outros bem ranqueados que enfrentou como Arlovski, Ortiz, Jones e o próprio Minotouro numa revanche. É bom de quedas e defesa, agüenta apanhar e sabe infligir dano, mas estava com a carreira estagnada, lutando em micro eventos até que ao final de 2009 foi convidado para voltar ao UFC. Vinha de uma vitória e uma derrota quando foi chamado. Era mais uma questão de colocar lutadores de nome e baratos para prestigiar o card. É a mesma lógica por trás da contratação de Gilbert Yvel e Phil Baroni. Inquestionavelmente são lutadores interessantes, mas já em fim de carreira. Tem muita gente no peso melhor que esses fora do UFC, mas multas contratuais e diferença de valor de bolsas dificultam sua aquisição. Matyushenko em sua terceira luta na volta ao evento foi eviscerado pela estrela Jon Jones, como era de se esperar. Quem achava o contrário não conhece o trabalho de Jones ou é saudosista e lembra do Matyushenko de 10 anos atrás. Sua carreira estava sob judice de novo e seria uma vitória contra Cacareco que poderia mudar as coisas. A vitória veio numa luta sem graça aonde o brasileiro não lutou. Se Dana quiser tratar com carinho Vlady, dará lutadores de meio de tabela e novatos para ele desmantelar com sua experiência e frieza típicas, mas se quiser colocar a sua frente lutadores top no peso, a próxima luta do bielorusso pode ser a última do contrato.

Carlos Eduardo Ta danado VS Kris McCray

È sempre bom de ver lutadores de chão que não cedem a pressão de sair trocando como bêbados só para dar show, ou que no mínimo tem a confiança de que jiu-jitsu ainda é uma arte incompreensível para a maioria e letal quando aplicada a perfeição. Da mesma maneira que um lutador de chão pode intensificar os treinos de wrestling, mas nunca fará frente a um campeão na modalidade, o mesmo é válido para wrestlers que treinam jiu-jitsu, sambo ou artes de finalização. Nunca compreenderão completamente a corrente infinita de transições de posicionamento de solo. Carlos Eduardo ta danado é mais um a vir nos provar o óbvio. Entrar na guarda de um lutador de jiu-jitsu de alto nível é tão perigoso quanto trocar socos com Badr Hari. Ta Danado teve a melhor estréia possível finalizando o mediano McCray. Ele fez o que bons lutadores fazem quando pegam lutadores fracos. Atropelam. Se o nome do outro atleta, por si só, não será grande medalha na farda, que o modo dominante da vitória tome esse lugar. Ta danado está invicto, com 8 finalizações em 9 vitórias. Um grande lutador para repararmos em 2011.

McCray é um esforçado. Um dos finalistas do TUF menos aproveitáveis de todas as temporadas. Perdeu a final do programa para Court McGee lutando como se não fizesse a menor questão. Falta sangue nos olhos, falta raça, falta técnica, falta muita coisa para McCray, que pode ter feito sua última luta pelo UFC.

Dennins Silver VS Andre Winner

Muitos dos maiores atletas do mundo, tecnicamente falando, se encontram no MMA. Se manter no topo e competitivo durante anos, seja num estilo aberto e cheio de floreios como o de Anderson Silva ou num estilo mais travado como o de Rashad Evans, não é fácil. Que parece para o observador mais despreparado como apenas um lutador bom de trocação ou um lutador bom de chão, na verdade é o ápice de anos de treino e domínio ou grande conhecimento de todas as valências do combate. Se Anderson não fosse razoável em wrestling e bom de solo, nunca conseguiria se manter em pé para dar os shows que já deu, se Rashad não fosse bom de boxe, nunca teria o tempo perfeito para acertar quase 100 % das quedas sem ser atingido antes. Quando um lutador é unidimensional, por melhor que seja naquilo, não terá uma carreira muito expressiva. È o Caso de Andre Winner. Bom de trocação, leve, agressivo e dono dos chutes mais poderosos do peso leve, simplesmente não consegue solidificar a carreira porque não entende que MMA é um encaixe de peças improváveis. Um trocador pode ser nocauteado por um wrestler apenas por não entender a base inicial da queda e confundir com um movimento de golpe swingado. O erro pode levar o atleta a achar que vem um soco e acabar por baixo ou, pior, achar que vem uma queda e acabar dormindo. Nesse UFC 122 Winner mais uma vez, perdeu uma luta que vinha ganhando apenas por esquecer que MMA é mais do que trocar e girar. E Silver, que não é bom em trocação, mas acumula bons nocautes, conseguiu mais uma vitóra fruto de um poderosso knock down. Um lutador voluntarioso que faz de tudo um pouco, por isso encontra as brechas deixadas por quem só é bom em uma coisa.

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segunda-feira, 1 de novembro de 2010

CRÔNICA 8 - NÓS SOMOS O MMA (publicada na Revista TATAME edição 176)


Para os fãs mais antigos, desde os eventos que remontam as vitórias de Royce Gracie, assistido em rústicas fitas de VHS como se fora um graal ditoso, o crescimento do MMA foi progressivo. Para os ninfetos no esporte, o sucesso do MMA aconteceu tal qual um cabeção de nego que explode perto do pé no meio da rua, uma espécie de big bang fantástico de socos e glóbulos vermelhos que vidrou e apaixonou sem culpa. MMA é o mais shakesperiano dos esportes. É o ser ou não ser de nossa geração. To be or not to be. A primeira luta que cada um de nós assistiu foi mais do que um reles combate, foi um questionamento humilde e interno sobre certo e errado, pecado e santidade, guerra e paz, bom e mau.

Independente da idade e cultura esportiva do fã é bem verdade que há teorias diferentes para o motivo que levou o esporte a tomar esse vulto em tão pouco tempo e porque continua a crescer sem sinais de se deixar abalroar por crise econômica, críticos cínicos ou a má organização que ainda é chaga que macula a maioria dos eventos realizados ao redor do mundo. Em setembro de 2009 o UFC atingiu um número maior de pay per views no mercado mundial do que em todos os 12 meses do ano anterior, que, por si só, já tinha sido o ano mais lucrativo do esporte em todos os tempos. Estima-se que o MMA cresce em fãs e finanças entre 20 e 40% ao ano.

O MMA aparece monolítico e invulnerável em meio a esportes empoeirados, regulamentados por regras obsoletas que não respeitam a vontade dos fãs ou, simplesmente, não visam o maior entretenimento. Mesmo assim, o que tem esse esporte que o torna tão atraente? Porque, apesar de violento, mulheres e homens de todas as idades e até crianças tem uma fixação crescente por essa forma de competição? O que MMA tem que outros esportes de contato mais tradicionais como tae kwon do, karatê, judô e etc não tem? O MMA é mais verdadeiro. Não há um kit de sobrevivência para poder competir, não é preciso ser particularmente veloz ou fisicamente forte. Pode ser magro ou gordo, escolado ou semi-analfabeto, versado em várias artes ou apenas em uma. È um momento aonde cada atleta se despe de conceitos feitos para padronizar as possibilidades e entra para competir com o que tem, com o que acha melhor, mais conveniente, mais acessível, com tudo que quis aprender ou com apenas o que conseguiu. O resultado acaba sendo um somatório de habilidades, determinação, talento, limitações e sorte, assim como na vida de cada um de nós.

MMA é o espelho da vida cotidiana, aonde há algumas regras a serem seguidas, mas o sucesso é determinado por um conjunto de normas invisíveis. Se os esportes antigos tinham ídolos inalcançáveis, gente que fazia o impossível por serem mais altos, mais fortes, mais velozes do que o indivíduo comum, o MMA tem ídolos humanizados, de todos os tipos físicos, que vencem e perdem por conseqüência das limitações impostas por regras que permitem quase tudo. Quando se pode usar qualquer habilidade, qual usar? O que treinar mais? Não há perfeição, não há invencibilidade. Em boxe, quem não tem punch ou queixo, não vai longe na carreira. Sabemos o caminho, sabemos o que tem quem o trilha. Mas, em MMA, o que faz um campeão? O que não tem quem perde, e o que tem, com certeza, quem ganha? O que há são atletas enfrentando a consequência das suas escolhas, que pode ser um cinturão ou os dentes quebrados com a cara na lona. Como nós, em nossa vida, com os conselhos que ouvimos ou não, como o amigo que ajudamos ou deixamos pra lá, com o trabalho aonde fazemos hora extra sem reclamar com o patrão ou saímos antes sem ninguém saber. Somos guiados por nossas convicções sem certeza de resultado, sem garantia de sucesso.

MMA é o prego martelado na realidade de vidro dos esportes cotidianos, é uma tirada de onda com quem acha que tudo já havia sido inventado, é a revolução da competição, é para amar ou deixar. Acabou de chegar e já sentou na janela, já quer ser olímpico, já é um dos mais vistos no mundo. É um esporte rude e espaçoso que não tem vergonha de ser o que é. Cada luta de MMA é uma fatia da vida real, um exemplo a ser seguido ou descartado. Cada luta espelha nosso desejo mais primitivo de alcançarmos glórias a qualquer custo, sem frescuras, vencer sendo nós mesmos ou vencer do jeito que der, sermos campeões no talento ou na brutalidade, superarmos o adversário de qualquer maneira, seja ela bela ou fugaz, pasteurizarmos a violência e o sofrimento com a satisfação do triunfo. Uma ratificação de nosso eu maquiavélico. MMA é o esporte que mais cresce no mundo porque é o esporte que merecemos.

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