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terça-feira, 26 de outubro de 2010

ANÁLISE - UFC 121: Velasquez VS Lesnar


Esse UFC 121 foi mais relevante do que bom. Conceitos foram alterados e certezas balançadas no evento que com certeza não foi o mais divertido, mas sai na frente na corrida pelo posto de mais importante do ano. A maioria das lutas compensou a falta de emoção com excesso de disposição por parte de todos os lutadores. Um evento de tração, pesado e intrigante. Se bons WEC são como fórmula 1, esse UFC foi um Rally.

Cain Velasquez VS Brock Lesnar

Alguma coisa vai acontecer, os índios apaches diriam. Acostumados a medir mudanças climáticas através do vento, da terra, antecipariam facilmente a furacão que se aproxima apenas pela movimentação selvagem e perigosa das nuvens escuras no horizonte. A relva levanta, as árvores balançam, um raio brilha, o trovão estoura e a tempestade do século se forma para anunciar a chegada da era de Cain. Sua destruição de Brock Lesnar entra para a história das lutas como um dia entraram outras que apontavam para um atleta que mudaria a história, para um lutador que entortaria o esporte da maneira que quisesse, colocaria o MMA a seus pés e se sagraria um dos maiores de todos os tempos. A colisão entre Wanderlei e Henderson no PRIDE 12, o espancamento que Fedor impôs a Minotauro no PRIDE 25, o nocaute de Randy Couture sobre Chuck Liddel no UFC 43, a vitória de Sakuraba sobre Royce Gracie numa luta sem limite de tempo no inesquecível PRIDE GP 2000 e poucas outras que agora são acompanhadas, sem vergonha, sem demérito, sem média ou frescutas, pela obliteração de Brock nas mãos de Cain Velasquez.

Brock Lesnar é uma criatura. Num mundo sem armas de fogo, Brock dominaria facilmente o continente com uma marreta na mão. Veloz, arisco, pesado, forte e resistente. Lesnar é um perigo para qualquer atleta justamente por não ser humano, por superar deficiências técnicas com uma brutalidade e velocidade que não deveriam pertencer a uma criatura nascida na Terra. Para haver um Brock Lesnar, 10 homens nasceram raquíticos em algum lugar do planeta. Simplesmente faltou muito material para alguns para sobrar tanto em Lesnar. Para os mais afoitos, Brock era imbatível. Fora uma finalização que ele desconhecesse, como haveria de se parar, com as mãos apenas, um atleta desse porte e com essas características? Cain Velasquez desmantelou esse inumano. Não numa questão de técnica superando força bruta, apesar de que houve muita técnica para driblar as mãos de bola de boliche de Lesnar ou sair debaixo do ground and Pound mais temido da atualidade. Mas foi um espancamento. Lesnar, simplesmente, não tinha como vencer Cain. E ele percebeu isso antes de todos nós. Ele tem coração de campeão, aceita o impacto, vai para a luta, não esmorece. Mas sabia que estava além de sua capacidade. O grande lutador não é aquele que se acha imbatível sendo ignorante para as qualidades do adversário, é aquele que não foge a luta, que dá a cara a tapa.

Se Brock quiser ser relevante do esporte daqui a uns 10 anos e não apenas um tsunami que destrói umas casas, mas não faz vítimas fatais, tem que aprender a fazer alguma coisa diferente de cobrir o rosto e se jogar no chão quando está em perigo. Uma nova luta com Mir está se desenhando. Vão alimentar o monstro. Mas o mundo do MMA, para ele, não poderá se resumir em dilacerar Mir na frente das câmeras mais uma vez. Brock pode se tornar um dos maiores se aprender os detalhes do esporte, mas estando rico e com 33/34 anos, não sei se ele quer ou acha que precisa.


Velasquez joga outro jogo. Encontrou os atalhos dentro do combate, resumiu o MMA, diminuiu a distância entre os pontos. Enquanto Shane Carwin tenta quebrar o muro, Cain encontra a rachadura, enquanto Minotauro se força a lutar a estratégia errada, Cain não tem vergonha de escolher a certa, enquanto o coração de Mir vira uma ervilha o de Cain explode, enquanto Brock só quer bater, Cain não tem medo de apanhar, enquanto Fedor luta desconcentrado contra Werdum, Cain não perde o foco nem em comercial de burrito. Velasquez é o futuro do peso pesado. Hoje em dia será mais temido, mas em alguns anos, apenas admirado. Grandes lutadores trilham caminhos secretos, especiais, lendas, criam seu próprio caminho. Cain Velasques vai trilhar a rota que ele quiser.

Cain vai defender o cinturão contra o brasileiro Júnior Cigano. Marco aqui minha expectativa com silêncio.

Jake Shields VS Martin Kampmann

O MMA tem algumas estrelas fora do UFC, e Shields é uma delas. Com vitórias sobre Yushin Okami, Carlos Condit, Dan Henderson, Jason Miller, Robbie Lawler, Paul Daley e Sakurai, Jake está sedimentado no top 10 do peso médio faz alguns anos. Por uma questão de marketing Dana White o convenceu a estrear no UFC no peso meio médio, antevendo um adversário digno ao trono de St. Perre. O erro de Shields foi ter concordado. No peso médio não perde uma luta desde 2005. Seria um adversário lógico para Anderson Silva, mas com Okami, Marquardt, Belfort e Sonnen com o ticket numerado para pegar o brasileiro antes dele, resolveram colocá-lo no peso de baixo aonde faltam novos desafiantes. Comercialmente, a lógica é boa, mas na prática vimos que não deu muito certo.

Shields estava lento, fraco. Lutadores de peso médio costumam ter de 93Kg pra cima no seu dia a dia. Estão acostumados com um certo nível de corte. Mas descer para o peso meio médio drenou as forças de Shields. Um atleta conhecido pelo vigor e gás, cansou antes do final do primeiro round. Para ele lutar nesse peso com um bom preparo vai ter que alterar seu peso natural para baixo. Se antes tinha 93kg e descia, agora vai ter que ter, naturalmente 85kg. Não é uma mudança fácil e envolve reeducação alimentar, anteração de ciclos de treino e suplementação. A questão é se ele vai conseguir sintonizar seu corpo para uma outra freqüência depois de 10 anos. Jake Shields, pelo que fez na carreira, é um dos maiores do mundo, merece disputar o cinturão mesmo que seja questionado por aqueles que não sabem da existência de forma de vida inteligente fora do UFC. Mas o Jake Shields que lutou nesse UFC 121 não merece nem ser considerado como desafiante. Ou ele acerta sua preparação ou vai ser mais um desmantelado, aos poucos e sem emoção, pelo campeão canadense.

Martin Kampmann é um esforçado. Quem o viu no começo da carreira quando só sabia trocar e vê agora um lutador completo que é perigoso em qualquer aspecto do esporte, entende porque MMA é apaixonante. È uma constante metamorfose, uma constante adição de informação a habilidades. Mas, mesmo assim, Kampmann não está entre os melhores. Não estivesse no UFC, não haveria manifestações na porta da casa de Dana White para ele ser contratado. Ele tem 3 derrotas nas últimas 7 lutas e uma delas foi o nocaute seco pelas mãos de dinamite de Paul Daley. Kampmann vai continuar no UFC dando trabalho a todos que entrarem no octagon com ele, mas não conseguirá ser a pedra no caminho de nenhum grande lutador.

Diego Sanches e Paulo Thiago

Uma das lutas do UFC mais WEC style de todos os tempos também foi a melhor da noite. Em 3 minutos velozes e furiosos testemunhamos o renascimento de Diego Sanches às custas do contrato de Paulo Thiago com o UFC, provavelmente. Aquele Diego, apelidado com precisão de nightmare (pesadelo) se manifestou pela primeira vez em anos. Quedas, briga incansável pelas posições no solo, ground and Pound incansável e muita raça. Os dois lutadores vinham com um dilema para essa luta. Os dois vindo de momentos irregulares na carreira e precisando mostrar que ainda são predadores do topo da cadeia alimentar. Mais do que a vitória, Diego renasceu como um grande lutador. Já Thiago, que se divide entre trabalhar como policial e treinar nas horas vagas, sucumbiu frente a um atleta em tempo integral. Coração é o ingrediente que todo campeão tem, mas é o ingrediente secreto que se mistura com tantos outros. Ele , por si só, não serve de muita coisa. Thiago tem que decidir que carreira quer tomar, abraçar uma paixão e abandonar a outra. É assim mesmo, coisas da vida. Ou vai continuar sendo um lutador duro, valoroso, mas não terá lugar entre os melhores do peso. E, quem sabe, nem no UFC.

Matt Hamill VS Tito Ortiz

Uma luta irrelevante entre um Matt Hamill mediano e um Tito Ortiz acabado. Quando no crescente mercado de MMA, com patrocínios robustos querendo estampar suas marcas em qualquer lutador do UFC, vemos um entrar com a bermuda sem nenhum anunciante, apenas com o endereço de sua própria marca, tem alguma coisa errada. Tito já apanhou tanto na carreira que leva um soco na direita e sangra na esquerda. Não é um homem velho, mas está velho para esse esporte. Cansou. Não defende quedas nem tenta aplicá-las. Tomando como base os vários chutes amadores que lançou durante a luta, creio que esteja assistindo mais competições de tae kwon do e K-1 do que o prórpio esporte que um dia praticou. E Hamill, um grande lutador do ponto de vista do exemplo de superação de deficiências e perseverança fez aquela típica luta que sempre faz. Bate, apanha, tenta não perder e, eventualmente, acaba ganhando. Uma luta desnecessária que só serviu para mostrar que, hoje em dia, Tito é melhor narrador de MMA do que lutador. E Matt, fez o dele, mas o que ele faz não é de grande qualidade. Dois atletas que não vão fazer a luta principal de nenhum evento durante um bom tempo. Talvez, pela eternidade.

Brendan Schaub e Gabriel Napão

Que Schaub e Napão acham que são bons de boxe, é visível. Mas Schaub só sabe fazer isso mesmo. È um híbrido, como ele mesmo se chama, mistura pouco de tudo. Um especialista em generalidades. Mas Napão é um faixa preta de jiu-jitsu. Mais um do pelotão dos bons lutadores de jiu-jitsu que se tornaram limitados trocadores em MMA. Qual o estilo do Napão? Hoje ele é um trocador, um brigador, como é Ben Rothwell e Travis Browne. Quando um faixa preta vira um boxer de baixa qualidade, tem alguma coisa errada demais em algum lugar. Vitória de Schaub que sabia um pouquinho mais, só um pouquinho mesmo, do que estava tentando fazer.

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domingo, 17 de outubro de 2010

ANÁLISE - UFC 120: Bisping VS Akyiama


Em 1989, numa partida entre Liverpool em Nottingham, o alambrado do estádio cedeu matando 96 pessoas naquela que é considerada a maior tragédia esportiva em solo inglês. Nesse UFC 120, apesar de nenhuma morte ter ocorrido, mais uma tragédia marcou o esporte na Inglaterra. Num card principal feito a mão para os fãs bretões se deliciarem com vitórias expressivas de seus maiores astros, o que viram foi, um a um, caírem melancólicos diante de adversários supostamente inferiores. Não fosse a vitória de Bisping, teria sido um sábado completamente negro para os ingleses. Mas, se ele salvou o evento para seu país, para nós, fãs, não foi suficiente. Um evento arrastado e sem inspiração que teve seu ponto alto nas vitórias de Fábio Maldonado e Paul Sass, no card preliminar.

Michael Bisping VS Yoshihiro Akiyama

Numa luta que prometia ser explosiva, vimos dois lutadores reticentes em engajar uma real trocação e se limitarem a jabs longos e diretos previsíveis. Era mais uma questão de quem ia se deixar hipnotizar primeiro por esse balé sem graça de antebraços e luvas a ponto de ser atingido, do que quem iria partir para o ataque efetivamente. Akiyama que chegou ao UFC com status de estrela asiática decepcionou mais uma vez. Tem raça para agüentar socos na cara, mas não tem raça para tentar desferi-los. É extremamente conservador na quantidade de golpes que distribui, mas parece bem liberal na quantidade que leva. Akiyama parece confundir disposição e show para os fãs com andar para frente e se deixar atingir. Não será cortado do UFC por ser importante estrategicamente para os planos de inserção no continente asiático. Um main event entre ele e Wanderlei, no Japão, é um dos sonhos de Dana White. Bisping venceu a luta, talvez, por querer um pouco mais. Encontrou um adversário com alcance curto e lento, e mesmo assim fez o suficiente para capturar uma vitória incontestável, mas que ninguém vai fazer questão de ver o replay. Se há um plano de carreira traçado para Akiyama, o de Bisping é menos ambicioso. Continuará como carro chefe do UFC no crescente mercado inglês e só. Pode vencer mais 50 lutas, que não disputará o cinturão do peso enquanto Anderson Silva, ou qualquer lutador realmente top estiver lá. O UFC não permitirá que Bisping seja desmantelado mais uma vez, como aconteceu contra Dan Handerson.

Dan Hardy VS Carlos Condit

Sempre fico admirado com a capacidade que algumas pessoas tem em cair e se levantar como se nada tivesse acontecido. É necessária uma alquimia bem especial, ingredientes como perseverança precisam ser misturados com doses exageradas de cara de pau. Dan Hardy parece saber essa receita de cor. Depois de se auto proclamar um dos melhores do mundo ao vencer o nada especial Mike Swick por decisão, e dizer que nunca um lutador o dominou no octagon, após a derrota para St. Pierre, aonde não conseguiu desferir um jab sequer, Hardy terá um teste de verdade para a eficácia de sua poção. Ser nocauteado, em seu país, no primeiro round, depois de ter registrado em cartório que faria o contrário, poderia ser uma questão desagradável de resolver, mas não para ele. Vai levantar a cabeça, sacolejar o moicano, dizer que ninguém no peso tem coragem de trocar em pé com ele e vida que segue. Carlos Condit, ex super estrela do WEC, aonde dominou o peso leve e se sagrou campeão, continua sua trilha no UFC. Se fizermos de invisível a derrota bem controversa para Martin Kampmann, ele acumula 11 vitórias seguidas. Condit prova que MMA é tão show quanto esporte quando apesar de grande atleta, ocupa apenas tirinhas e breves matérias na mídia internacional por conta de sua falta de carisma. Condit é um bom lutador que precisará mais do que de grandes vitórias para brilhar no mercado feroz do MMA, que consome tanto talento quanto personalidade. Hardy vai ficar um tempo sem lutar, tanto pela suspensão natural aplicada pela comissão atlética por conta do nocaute que sofreu, quanto pela dificuldade que o UFC vai ter em achar um adversário que não vá colocá-lo para dormir de novo.

Cheik Kongo VS Travis Browne

Kongo vem se esmerando na arte de fazer lutas chatas. Seja na vitória sobre Paul Buentello ou derrota para Cain Velasquez. Kongo não faz uma luta empolgante desde sua vitória sobre Mirko Cro Cop em 2007. Que também não foi uma boa luta, mas, pelo menos, foi surpreendente. Tantos outros lutadores com desempenho bem melhor foram cortados por estarem abaixo dos padrões do UFC. Mas Kongo é o lutador francês de maior destaque. Tem sua carreira cuidada com extra cuidado por conta de interesses mercadológicos do UFC com determinados países. O italiano Sakara, o filipino Munoz, o inglês Bisping e o japonês / coreano Akiyama são alguns exemplos de lutadores que independente de performance sempre terão uma segunda chance. Um movimento inteligente por conta do gerenciamento do UFC, mas injusto esportivamente com tantos outros mais talentosos cortados por conta de limites de orçamento. Browne, que não é garoto propaganda de país nenhum, precisa lutar melhor do que vem lutando para manter seu contrato em vigor. Lento, displicente e com preparo físico de amador, conseguiu um empate na medida já que nenhum deles merecia sair de lá com uma vitória no cartel. O resultado mais justo, mas que só pode ser dado no campo da moral, seria uma dupla derrota.

Paul Sass VS Mark Holst

Se o jovem inglês Paul Sass resolver abandonar a carreira de lutador profissional por algum motivo, poderia vir para o Brasil dar aula de jiu-jitsu aplicado ao MMA para muitos de nossos atletas, que insistem em afirmar que é difícil levar a luta para o chão como justificativa para trocarem socos durante 3 rounds. Sass não pegou ainda nenhum lutador de destaque, é verdade, mas é verdade também que sua volúpia e precisão na luta de solo são bem diferenciados. É um dos jovens lutadores que em uns 2 anos estarão no topo de seu peso, mesmo indo contra a tendência do MMA atual de lutar em pé e só derrubar se for para cair por cima. Holst é um lutador de mediano para baixo. Serviu apenas de carvão para a locomotiva de Sass. Vai fazer carreira profissional apenas porque o marcado americano é super aquecido e com infinitos pequenos shows. Mas fossem as possibilidades apenas os grandes eventos como UFC, Strikeforce e Dream, a sua carreira já estaria perto de terminar.

Fabio Maldonado VS James McSweeney

Desafia a biologia como há espaço no corpo do brasileiro Fábio Maldonado para suas artérias e veias e músculos e tripas e tudo mais que compõe o organismo humano, se seu coração enorme já deve tomar tanto espaço. Qualquer ser humano normal sairia com breve perda de memória se fosse atingido pela metade dos golpes limpos que Maldonado sempre leva na cabeça, mas ele parece não se abalar. Talvez seja a fina camada de kevlar que cobre seus ossos faciais e ficam escondidos por baixo da pele, ou seja apenas uma vontade imensa, incontrolável, de vencer. Se nossos sonhos são combustível da alma, ele tem dois tanques cheios. E lutou como quem quer demais uma coisa, como quem peregrina de joelhos até Meca. Resignado, firme e decidido. Apanhou no primeiro round e venceu por nocaute libertador no terceiro um McSweeney egocêntrico e desleixado, que lutou como um milionário que pede lagostas sem saber como abri-las. Esqueceu que estava abrindo o card preliminar e lutou com a empáfia de um campeão que tem certeza da vitoria. Maldonado, aditivado pelo seu sonho de se sagrar campeão de verdade, acordou McSweeney para a realidade com um direto no estômago. Vitória de um brasileiro de corpo e alma. Uma luta entre Maldonado e Thiago Silva seria de quebrar ossos.

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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

CRÔNICA 7 - PAIXÃO DE SILVA (publicada na Revista TATAME edição 175)


Saudade boa acalma o coração, mas saudade com remorso é uma mistura ácida para a alma. Einstein teorizou a viagem no tempo, mas não podemos realizá-la sem sermos dissolvidos em partículas. Cabe então aceitarmos nossas limitações metafísicas e fazermos o melhor com o tempo que temos. Cabe admirarmos a magnitude da genialidade de Anderson Silva enquanto ele ainda coexiste nesse plano e caminha entre os mortais como Ares caminhava entre os espartanos. Um deus do combate incompreensível e imensurável.

Há 5 anos Anderson não tem adversários, tem oferendas. Lutadores entram no octagon como ovelhas sacrificadas a uma entidade. Em meio a movimentos leves e inacessíveis, sempre sai ileso, abandonando as carcaças ensangüentadas de seus oponentes pelo chão. Inevitavelmente tornou-se campeão bailando agressivamente com a contundência de uma piscina de giletes. Mas algo aconteceu. Ele, um tão diferente de nós, se apaixonou.

Anderson se apaixonou pelo brilho dourado da cinta de campeão. Quem haverá de culpá-lo por amar? Mas amor nos amolece. A maior de todas as dádivas, a capacidade de se completar no outro, é nossa, dos de carne e osso. Para lendas, pode ser espinhos na coroa. E o medo de perder uma luta, e sua paixão, o fez abandonar seu estilo incrível por um mais seguro. As lutas que eram antológicas se tornaram vitórias monótonas e ele que sempre nos presenteou com magia, parecia desdenhar de nós.

Muitos fãs entristecidos e sentindo falta dos instantes fantásticos que só ele oferecia começaram a torcer por sua punição. Como um senhor de engenho que acha de bom tom um leve açoite no negrinho, remontando a momentos desprezíveis de nossa história. Precisavam de alguém que desse um corretivo no Anderson para forçá-lo a voltar a nos maravilhar com sua beleza combativa. Como se pudéssemos forçar um colibri a cantar ou o sol a brilhar.

Chael Sonnen, um americano clássico, se prontificou impávido para a tarefa. Davi contra Golias. Passou meses ofendendo Anderson e até o Brasil. Parecia o homem certo para o trabalho sujo e no UFC 117 foi para cima e o espancou. Se Anderson estava no auge de sua forma e o adversário o dominava por totais méritos, se estava com a costela lesionada ou se estava apenas triste pela aparente vontade dos fãs, da multidão, de vê-lo perder, é irrelevante agora. Como entender o gênio?

A verdade é que Sonnen colidiu o couro de suas luvas com o rosto de Anderson com a maior violência e virilidade que suas artérias e músculos permitiam, num ato comovente de que podemos superar limites e desafiar o mais forte. No primeiro round até gostamos. Foi emocionante. No segundo, começamos a ficar apreensivos e a partir do terceiro, tudo mudou. Soco após soco nós voltávamos ao normal. Fomos tomados por um medo primitivo de presenciarmos o fim de alguma coisa da qual teríamos saudade. Aquela saudade trêmula de quem se arrependeu de não ter tomado posição, de ter ficado do lado errado, de ter se encolhido e se cagado ao invés de correr e fazer alguma coisa.

E nesse momento o Anderson, um, foi todos nós, milhões. Nesse momento cada soco doía dentro da gente. Ficamos de pé, torcendo para as coisas voltarem ao normal. Para que ele vencesse e nos perdoasse, porque nenhum de nós fez por mal. Se ele mudou por seu amor nós também mudamos por nosso amor ao seu show. Nós nos entenderíamos, só faltava ele sair de lá, e de lá ele ressurgiu. Como gênios fazem, sem explicação ou aviso, a tormenta acabou. Escreveu certo por linhas tortas. Num golpe corrigiu o curso da história. 1 segundo de Anderson em 23 minutos de Sonnen. Ele venceu e nos venceu. Nos comoveu. O coração do incansável Sonnen foi partido e o nosso explodiu. Presenciamos o espancamento de um dos maiores de todos os tempos e contemplamos sua mão erguida, novamente, mas tão diferente, ensangüentada e renascida. Um campeão inalcançável mostrou que é como nós no que temos de melhor. Nosso coração. Nesse momento, eu que não sou ufanista, que amo MMA acima de nacionalidades e bandeiras, me orgulhei de ser brasileiro.

Anderson é um gênio louco e intraduzível que brota e colhe a rosa do asfalto, que racha a realidade com cotoveladas, confunde as dimensões com os punhos. É lenda para ser contata aos filhos mais do que compreendida. Marrento para alguns, humilde para outros. É pedaço Bruce Lee, pedaço Jordan, pedaço Michael Jackson e pedaço Charles Chaplin. Anderson é para se admirar e não para entender. É mais água que pedra. Seu trono no hall dos deuses do combate já está esculpido em ouro. Amem ou odeiem, não importa, não dá para mudar a rota do colosso. O que podemos é, um dia, termos a saudade boa das vezes que o aplaudimos ganhar.

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sábado, 2 de outubro de 2010

ANÁLISE - WEC 51: Aldo VS Gamburyan


Dana White incansavelmente brada aos 4 ventos, twitter, entrevistas na ESPN e aonde quiserem ouvir, que não há eventos de MMA no mesmo nível competitivo, técnico e de qualidade que seu UFC. Mas é ele mesmo que nos prova estar errado em suas declarações com o WEC, outra organização dirigida por ele, ao oferecer evento após evento um aglomerado de lutas boas e competitivas que provam, para aqueles ainda incrédulos ou iniciantes no MMA, haver grandes lutadores fora do maior evento do mundo. Apesar disso, esse WEC 51 esteve abaixo das expectativas estelares a que já nos acostumamos, com alguns combates arrastados e muitas decisões dos juízes. Mas WEC é como pizza, mesmo quando é ruim, é bom, e esse, mesmo apesar de não despentear nosso cabelo ao passar zunindo a 200 km por hora como os anteriores, nos apresentou 3 grandes momentos. Uma grande certeza, uma grande luta e uma grande revelação.

José Aldo VS Many Gamburyan

Gamburyan é um dos lutadores mais perigosos no peso. Muito curto, seus cruzados se tornam velozes e mortais a pequena distância, tem um forte poder de fogo no ground and Pound, uma boa base de wrestling, é explosivo e arisco, determinado e tem um bom queixo. Já tinha provado ser um bom desafiante ao cinturão do WEC ao nocautear o duríssimo ex-campeão Mike Brown em sua última luta. Seria uma inverdade ou, no mínimo, imprudência afirmar que Many não tinha chances contra o campeão José Aldo. Mas, cá pra nós, Many não tinha a menor chance mesmo. E, quem teria? Quem, no planeta, no peso, fora as improbabilidades loucas e apaixonantes que o MMA nos impõe de num dia fora do eixo, qualquer coisa acontecer, tem chances de vencer o brasileiro? José Aldo é um dínamo, um átomo friccionando dentro de uma caixa de chumbo. Socos, chutes, joelhadas velozes e precisas, finalizações secas num jiu-jitsu justo muito bem afiado por André Pederneiras. Tudo isso energizado por uma calma e frieza de predador frente a presa. Se cada organização fosse um universo, posso dizer que a estrela de Aldo brilha com tanta intensidade que já ofusca alguns outros astros tão mais perto de nós, no universo UFC. Sua qualidade atravessa constelações como um cometa, destrutivo e magnético. Esportivamente, seus treinadores e ele podem achar que deve permanecer mais um tempo dominando o peso e fazendo de grandes adversários, míseros derrotados, mas, filosoficamente, ele não poderia nos privar de vê-lo contra outros astros do peso leve, em lutas memoráveis, antológicas. Aldo contra Penn, Gomi, Edgar são alguns exemplos de combates que tem que ser realizados. José Aldo trilha um caminho diferente da maioria dos lutadores, trilha o caminho fantástico que pode levar um homem a se tornar uma lenda. E Many vai voltar a fazer lutas excitantes e torcer para Aldo subir de peso para ele ter alguma chance de realizar o sonho de se tornar campeão no WEC.

Donald Cerrone VS Jamie Varner

O homem descobriu o fogo pelo atrito de duas rochas e Cerrone versus Varner poderia ter incinerado a lona do WEC tamanha a violência da colisão entre os dois durante 3 rounds. Como numa briga de facão, parecia que de cada golpe vinha um impacto raspado seguido de fagulhas. Houve técnica por parte de Donald Cerrone. Um boxe longo, jogado por fora, combinados de fintas e jabs com quedas tão precisas que conseguiram colocar o wrestler nível divisão 1, Varner, no chão algumas vezes. Mas foi a violência com que Cerrone buscou a vitória, a intensidade com que lançava golpes, não deixava um soco sem resposta, numa volúpia combativa, numa vontade de vencer que deu até dó de tantos outros atletas que entram num octagon olhando para o relógio e fazendo conta. Cerrone não só venceu essa revanche, como tanto queria e prometeu, mas provou que MMA é um esporte de atrito, de contato, e um grande atleta tem que estar disposto a disparar toda a munição que tem durante o pequeno tempo em que compete diante dos holofotes e agüentar o que é disparado contra si. Cerrone levou duros golpes no queixo de Varner mas, a cada golpe, parecia mais pensar em revidar do que dar um passo atrás e imaginar táticas de fuga. Uma grande luta, agressiva e temperada por um desejo de vingança esportiva. Normalmente quando dois lutadores se xingam demais antes do evento, tendem a estar latindo demais para vender pay per view porque não são muito bons em distribuir mordidas. Mas, nesse caso, os dois encheram suas garruchas de pólvora seca e muito chumbo grosso. Quando ao fim de uma luta queremos ver mais combates dos dois envolvidos, é porque os dois saíram ganhando. Cerrone, dá um passo a frente no ranking e Varner, um atrás. O que só muda a distãncia entre os dois, porque acima deles, apenas Ben Handerson e abaixo, todos os outros.

Tie Quan Zhang VS Pablo Garza

Outro destaque desse WEC 51 aconteceu nas preliminares, numa luta que marcou a estréia na organização de um dos lutadores mais promissores do MMA atual. O chinês Tie Quan Zhang que está invicto e tem todas as suas vitórias no primeiro round manteve seu cartel imaculado vencendo por finalização o também invicto, até então, Pablo Garza. Zhang, o lobo da Mongólia, é representante da China Top Team e um dos lutadores mais vorazes do mundo. Sua busca pela finalização é sempre feroz e seu boxe é extremamente agressivo e audacioso. Zhang tem um jogo sólido como a muralha da China. É um lutador com sede de vitória que entra no octagon quase que como carregando, sozinho, a bandeira de seu país. Quase um desbravador, quase um messias, com a atitude de superar seus adversários numa ode a sua pátria natal, China, como Fedor parecia se comportar com relação a sua amada Rússia. Zhang parece que entra para o combate com um exército de milhões dentro dele, pode se tornar o lutador que Dana White tanto procurava para ajudar na inserção do UFC /WEC, na Ásia. Zhang é mais uma prova de que o MMA derruba as barreiras alfandegárias dos preconceitos raciais ao criar ídolos primeiros em técnica, depois em nacionalidade. Temos que aprender a pronunciar seu nome corretamente porque é um lutador que vai escalar o ranking do peso leve em muito pouco tempo. Pablo Garza, apenas um bom lutador, fará outras lutas interessantes, mas trilhará um caminho bem menos iluminado que de seu oponente.

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